sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Na boquilha trazia o fogo; na voz, a intensidade dum trovão; nos versos, da guerra à paz e ao embalo

     Em tempos de ameaça bélica, a voz da paz ganha mais sentido.

     Assim começo, lembrando versos de Natália Correia no dia em que se comemora o seu nascimento. Foi há noventa anos, na Fajã de Baixo (ilha de S. Miguel). 
    A intelectual, a poeta (porque, no seu ver, a poesia era assexuada), a deputada, a cidadã interventiva e socialmente empenhada na afirmação do matricismo (enquanto expressão do feminino, da fonte matricial da humanidade) foi mulher de contundente e tumultuosa exceção e exaltação para um tempo que, por mais que não a acompanhasse nos ideais e na visão das coisas, se rendeu à capacidade oratória (entre o tom reflexivo e a teatralidade provocatória) posta ao serviço do valor da liberdade.
    Suas foram as noites do "Botequim", espaço de tertúlia para a cultura, a política, a criação artística, o encruzilhar de personalidades afins à sua, no fascínio espiritual da língua mátria; da pátria que deixou em direção ao "Templo" (a 16 de março de 1993); da frátria feita de igualdade e equidade - em suma, de fraternidade.
      Nos termos de Fernando Dacosta, que se referiu a "A Natalidade de Natália", "a ilha deu-lhe o gosto mágico pela vida", o mesmo gosto que a aproximou da poesia, desta fazendo território para um lirismo que a fez conviver com a tradição e a modernidade, a narratividade poética ou a poesia narrativa, o espírito que casa o fim com o princípio num retorno em constante e contínua renovação.


    FIZ UM CONTO PARA ME EMBALAR
Natália Correia, retratada por Bottelho (2010)
Fiz com as fadas uma aliança.
A deste conto nunca contar.
Mas como ainda sou criança
Quero a mim própria embalar.

Estavam na praia três donzelas
Como três laranjas num pomar.
Nenhuma sabia para qual delas
Cantava o príncipe do mar.


Rosas fatais, as três donzelas,
A mão de espuma as desfolhou.
Nenhum soube para qual delas
O príncipe do mar cantou.


in "Inéditos (1947-49), 
Poesia Completa

     Na prosa, no verso e na voz, Natália Correia nasceu para a intensidade das palavras do amor sedutor de um Eros e a (pre)ocupada consciência do caminho para Thanatos ou "o lugar / onde cai o véu / do mistério final".

2 comentários:

  1. Ou não morasse eu numa rua que lhe roubou o nome!
    Fica aqui um outro poema:

    https://www.youtube.com/watch?v=mYigAe7rHBE

    beijinho
    IA

    PS: (Já) Tenho saudades não do escurinho dum quarto mas duma filinha J!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. A tua rua é uma "ladrona"!!! :)
      Merci, à cause du poème.
      P.S.: Temos de agendar a filinha. Está a chegar o tempo em que vou deixar de o ter. Ai, senhores!

      Eliminar