sábado, 15 de março de 2014

Complemento indireto com verbos de dois argumentos

     Por mais que se caracterize o complemento indireto no contraste com o direto, nem sempre este último surge na frase.

     A propósito de uma nova questão sobre funções sintáticas:

    Q: Vítor, em «respondeste ao anúncio», 'ao anúncio' é c. indireto?, respondeste-lhe.... posso dizer? embora se responda à pessoa que o enviou e não ao anúncio... obrigado.

     R: Começo já por responder positivamente.
     Existem classes de verbos que exigem dois argumentos (o sujeito e o complemento indireto), por contraposição aos que selecionam três (sujeito, complemento direto e o indireto). Em termos de valência verbal, chama-se aos primeiros verbos bivalentes, enquanto os últimos são trivalentes.
      Entre os verbos bivalentes, contam-se os que se associam ao campo semântico dos verbos existenciais (ex. bastar, chegar, constar, faltar, ocorrer, parecer, sobrar), de posse ou pertença (ex.: pertencer) e os de perceção psicológica (ex. agradar, apetecer, convir, custar, importar, interessar, repugnar, saber bem / mal). Assim, entende-se que o elemento destacado (com maiúsculas) nas frases seguintes corresponde ao complemento indireto (caso dativo latino):

i) Basta-ME este pedacinho de pão.
ii) Pareceu-LHES desafiante aquele projeto.
iii) O livro pertence AO ALUNO ( > O livro pertence-LHE).
iv) O café sabe-ME bem.
v) O espetáculo agradou-TE bastante, não foi?
vi) A cena final do filme desagradou-ME. 

     Há ainda um outro grupo de verbos bivalentes que apresenta o complemento indireto na sua estrutura argumental: '(des)obedecer', 'resistir', 'sobreviver' e 'calhar' (no sentido de 'caber', 'ser atribuído').

vii) O cidadão cumpridor obedece às leis da sociedade ( > obedece-LHES).
viii) Calhou-NOS um tema difícil.

      Quanto ao verbo 'responder', como verbo comunicativo (ou 'dicendi'), admite a seleção natural do complemento indireto. Tal acontece tanto na realização trivalente (Alguém responder algo a alguém) como numa realização reduzida, bivalente (Alguém responder a algo / a alguém). Neste último caso, e à semelhança de outros verbos bivalentes, há sempre a particularidade de o complemento indireto poder representar uma entidade não humana - daí que no cenário proposto ("responder ao anúncio") haja uma entidade não humana, inanimada ('ao anúncio') -, podendo nela estar implicada alguma pessoa encarada como beneficiária

       Verifica-se, portanto, alguma variação nesta função sintática, tipicamente identificada pela presença da preposição 'a' e a sua substituição pelo pronome 'lhe(s)' na terceira pessoa.

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