terça-feira, 15 de novembro de 2016

Coesão... com alguma confusão

     Quando se trata de organizar a coesão, nem sempre os manuais têm razão.

     A questão coloca-se em termos de coesão frásica:

   Q: Olá, Vítor. No caderno de atividades do manual adotado na minha escola, há um exercício colocado na ficha da 'Coesão Frásica', que consiste em detetar erros de conexão. A frase dada é "Esqueci-me da chave dentro do automóvel, mas estava com pressa" e assume-se que há nela um erro por o conector não ser adequado. É um bom exemplo para coesão frásica? Não sei porquê, mas considerá-lo-ia mais na interfrásica.

     R: Viva. Concordo plenamente. O foco da coesão frásica orienta-se para mecanismos verificáveis ao nível da frase simples, nomeadamente, questões de concordância (no interior dos grupos de palavras ou entre sujeito e predicado, por exemplo), de ordenação sintagmática das palavras e de seleção de complementos pelos núcleos.
      Efetivamente, o que se encontra destacado nesse exemplo é o conector / articulador, na ligação de orações distintas - daí o âmbito interfrásico - e a lógica implicada nessa conexão de frase complexa.
    Acrescento, ainda, que só uma contextualização muito circunscrita desse exemplo inviabiliza ou torna inadequado o conector. Em termos pragmáticos, admitiria sempre a produção de um discurso que aponta para uma primeira oração de tipo constativo ('Esqueci-me da chave dentro do carro') seguida do articulador 'mas' a introduzir uma reação ou um comentário do falante relativizando / minimizando uma conclusão associada ao anteriormente proferido - isto é, 'esquecer a chave dentro do carro' aponta para a conclusão de uma situação impensável; 'ter pressa' admite uma desculpa, um cenário para uma conclusão de algo que não é (tão) impensável. Daí a lógica de contraste ou, melhor, de refutação poder ganhar algum sentido - nesta medida, o erro de conexão não existe perante um enunciado que combina dois atos de fala, a remeter para conclusões distintas, interligados por um conector com uma orientação argumentativa ajustada à contestação, objeção, refutação, .
       Face à tipologia de coesão há, portanto, um exemplo mal concebido e face ao erro indicado tenho algumas reservas, por não conhecer o contexto em que o enunciado foi / está produzido (a ponto de assumir a impossibilidade de um sentido potencial).

    Em síntese, um caso a evitar, tanto pela classificação do tipo de coesão como pela solução apontada.
      

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