sexta-feira, 8 de outubro de 2021

Morrer na praia

      O dia iluminou-se com um radioso sol...

     Regressado o bom tempo, revive-se o conforto desses momentos que nos deixam apreciar o final de uma outoniça, mas calorenta tarde, aromatizada pelo iodado vindo do mar, numa combinação a que não falta uma fresca névoa esfumada, a embaciar levemente a paisagem.
     Erguido o olhar para o alto, como para sorver agradecidamente o terapêutico ar, reparei num céu cruzado, que decidi guardar em foto:

Céu cruzado junto à Granja (Foto VO)

     No enlevo do instante, fui subitamente espertado pelo aparato ruidoso de sucessivas sirenes, trazendo o sobressalto e a aflição. Bombeiros, polícia marítima e muitos curiosos deixavam-se ficar na praia. Não era a simetria dos traços nem a variedade das cores celestes que os atraíam. No areal, havia um corpo humano estendido, inanimado. Morto. Tudo tão rápido. Ninguém conseguia explicar o sucedido. Simplesmente caiu, quando caminhava naquela linha de areia que fica entre o molhado e o seco. Foi aí que o corpo encontrou o seu leito de morte, bem próximo daquele outro que dizem ser a origem de tudo, mas que, no seu vaivém ondulatório, nada trouxe a quem deixou definitivamente de ver o espetáculo do céu cruzado, pintado de algum dourado em tela de fundo azul.
      Por vezes, a vida reduz-se a isto: a uma rápida queda sem recobro. Nada resta; nada mais há. Só chão - no caso, areia, a mesma que, na ampulheta, se deixa cair de uma âmbula para outra até esgotar. Tudo acaba, mesmo quando alguém vai em socorro e ao encontro do que já só é um peso inerte, algures deixado, abandonado de todos os sentidos.
     O céu cruzado e a luz ainda quente assistiam a alguém caído, a esfriar à medida que as sombras e o escuro surgiam, extinguindo as cores do dia. Azul, só o das luzes rotativas das viaturas que, agora paradas e em silêncio, haviam trazido socorro a destempo; calor, só o da humanidade dos que prestavam os cuidados derradeiros, ensacando quem partira numa última viagem, já sem horizonte.

      ... até que a vida se apagou. Literalmente, alguém morreu na praia. RIP.

2 comentários:

  1. Bom dia, Vítor
    Começo pela imagem: belíssima e, para mim, rara. Só uns olhos atentos ao céu a captam assim. Parabéns.
    Quanto ao 'Morrer na praia', esperava um sentido figurado e não as luzes dos últimos silêncios, como tão bem descreves.
    Talvez mais um sinal para se desfrutar da Vida e da luz dos horizontes.
    Um abraço, Vítor, e um bom domingo.
    Dolores

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Bom dia, Dolores.
      Obrigado pela leitura e pelo comentário.
      Às vezes, a vida faz-nos lembrar que os sentidos figurados são derivantes de sentidos literais. Lamentavelmente, assisti ao episódio. Ou, então, felizmente: para eu acordar para a vida.
      Um beijinho.
      VO

      Eliminar