quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Dúvidas e complexidades...

     Dúvidas consentidas, e com sentido, na sequência de alguma formação e discussão...

    Q: Na frase «Eu estou aqui, no entanto o João não me vê», para mim este «no entanto» é uma locução coordenativa adversativa. Mas eu posso dizer: «Eu estou aqui, o João, no entanto, não me vê». Ora segundo o DT, na frase «Está frio. O João, contudo, vestiu uns calções», «contudo» é um advérbio conectivo. Dou de barato que o seja. Mas na frase anterior, onde não há ponto final, mas vírgula, «no entanto» é ou não locução c. adversativa? E se não é, como diabo se classificam as duas orações?

    R: Começo por indicar que a conjunção é uma classe de palavras que introduz um constituinte ou uma oração coordenada ou subordinada.
     Na primeira frase proposta, esteja 'mas', esteja 'contudo', esteja 'todavia', esteja ainda 'porém', não deixa de haver uma funcionalidade equivalente a 'no entanto' (conectores coordenativos adversativos): a marcação de uma lógica de contraste que introduz uma oração coordenada. Reconhece-se, formalmente, alguma distinção entre conjunções e advérbios conectivos, considerando que as primeiras
       (i) ocupam a posição inicial ou de introdução do termo coordenado (sem possibilidade de deslocação no termo coordenado);
            (ii) co-ocorrem com outros conectores.
       A nível do ensino básico, creio que estamos focalizadamente preocupados com conjunções / locuções conjuncionais ao nível da construção complexa das frases, por um lado; por outro lado, e progressivamente, vamos alargando para uma dimensão textual e discursiva, cuja funcionalidade não é tão limitativa (apontando para um âmbito mais próximo dos advérbios conectivos). Neste sentido, o 'mas' é a conjunção prototípica da coordenação adversativa; 'contudo', 'todavia', 'porém' também o podem ser, quando se comportam da mesma forma que 'mas'. Registam-se, ainda assim, outras realizações em que o comportamento discursivo destes conectores adquire um sentido semântico-pragmático associado a operações de reforço, reformulação, regulação conversacional, enfatização ou marcação fática. Daí, poderem ser encontrados a par das conjunções prototípicas ('O Pedro estudou muito, mas, no entanto, não conseguiu ter um bom resultado no teste'). Assim, aqueles já não assumem prioritariamente a função de coordenar (assegurada pelas conjunções); tomam-se, antes, por marcadores discursivos, instruções semântico-pragmáticas que exploram efeitos discursivos e /ou orientam processos de interpretação (sem classificação em termos de sintaxe).
      Procurando ultrapassar esta especificação, algo complexa para os nossos alunos, tendo nas minhas aulas a utilizar um termo mais genérico: o de conector. Seja na composição das frases seja com a funcionalidade pragmático-discursiva, prevalece o sentido comum de articular, conectar, ligar segmentos, sequências relevantes para a oralidade e/ou para o escrito (opção, aliás, consentânea com as competências orais e escritas do Inglês - que sistematicamente fala de 'conectors' - bem como do Francês - que convoca os 'connecteurs'), tanto ao nível da frase como do discurso. Trataria, portanto, de não confundir dois níveis de análise, com objectivos distintos. 
    No caso dos advérbios conectivos, não se trata tanto da composição de frases complexas (coordenadas); o que está em questão é uma conexão de natureza mais discursivo-pragmática.

        ... porque há níveis de análise e níveis de abordagem que, no contexto de ensino-aprendizagem do básico, não devem ser tão especializados e/ou específicos.

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