segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Libertação e magia da palavra... recriada

       Estes os efeitos decorrentes do nascimento de um poeta há 79 anos.

Pintura de Maria Henriques

     Galardoado com o prémio Pessoa em 1994, Herberto Helder recusou o prémio. Entre a discrição e o registo da singularidade, a misantropia é traço de uma coerência que se rebusca na poesia, na escrita. O sinal disso mesmo se encontra na narrativa seguinte:

    A Teoria das Cores

      Era uma vez um pintor que tinha um aquário com um peixe vermelho. Vivia o peixe tranquilamente acompanhado pela sua cor vermelha até que principiou a tornar-se negro a partir de dentro, um nó preto atrás da cor encarnada. O nó desenvolvia-se alastrando e tomando conta de todo o peixe. Por fora do aquário o pintor assistia surpreendido ao aparecimento do novo peixe.
     O problema do artista era que, obrigado a interromper o quadro onde estava a chegar o vermelho do peixe, não sabia que fazer da cor preta que ele agora lhe ensinava. Os elementos do problema constituíam-se na observação dos factos e punham-se por esta ordem: peixe, vermelho, pintor — sendo o vermelho o nexo entre o peixe e o quadro através do pintor. O preto formava a insídia do real e abria um abismo na primitiva fidelidade do pintor. 
     Ao meditar sobre as razões da mudança exactamente quando assentava na sua fidelidade, o pintor supôs que o peixe, efectuando um número de mágica, mostrava que existia apenas uma lei abrangendo tanto o mundo das coisas como o da imaginação. Era a lei da metamorfose. Compreendida esta espécie de fidelidade, o artista pintou um peixe amarelo.
in Os Passos em Volta (1963)

      Fica assim a nota entre um surrealismo tardio e a expressão original da criação, própria de uma lente poética que desfragmenta aquilo que o leitor tem a (re)criar, numa redescoberta das linhas de um corpo que exteriorizam a veia inspiradora e produtora da obra literária.

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