Assim abriu o FITEI deste ano: Tempestade Indiana, inspirada na obra de Shakespeare e criada em três meses de residência artística na Capital Europeia da Cultura 2012 (Guimarães).
Um nome grande e clássico, um palco mágico no Mosteiro de Santo Bento da Vitória para uma representação singular, numa miscelânea performativa a convidar uma Babel de sentidos... todos à procura de um fio de Ariadne capaz de reconhecer na atuação um texto que alguns não conheciam; outros não reconheciam; outros, ainda, lembravam de um contacto já distante ora com a obra ora com outras dramatizações do mesmo autor.
Grandes são os desconcertos do mundo quando no plano da fantasia, do humano e da natureza tudo se encontra em ebulição. The Tempest, uma das últimas obras do dramaturgo isabelino, apresenta uma intriga de conspirações oportunistas, de traição, de vingança, de amor. Nela se contrapõe a ferocidade que habita o Homem à espiritualidade marcada pela ânsia de liberdade e pela lealdade (que também o caracterizam).
Num palco feito com um círculo de panos e uma tela de sombras, surge a ilha habitada por Próspero (Duque de Milão, mago poderoso) e pela filha Miranda. Aí se encontram exilados na sequência de um ato de traição política. Com o primeiro, Caliban (um inconformado nativo da ilha, tornado escravo do Duque) e Ariel (espírito servil, metamorfoseável em ar, água ou fogo) veem chegar os sobreviventes de um naufrágio: o usurpador António, irmão de Próspero, mais o cúmplice dele, Alonso (rei de Nápoles), o príncipe Ferdinand (filho do rei e que se torna noivo de Miranda). Um jogo de máscaras e personagens rocambolescas desfila para lembrar que "All's Well That Ends Well", sem desconsiderar a tragédia humana a que todos estão sujeitos.
Pelas congeminações de Próspero, uma nova história se lê: a da denúncia da fraqueza de António; a da redenção de Alonso e a do amor entre dois jovens. A festa, o casamento de Ferdinand e Miranda permitem a reposição da ordem, e a legitimidade dela, no lugar que lhe compete.
A reconciliação acontece com a vingança bem-sucedida de Próspero (até o revoltado Calibã se transforma quando experiencia os efeitos inebriantes do vinho, junto com outros dois bêbados - os tradicionais 'fools' , que têm um fundo cómico feito de virtude e sinceridade).
Tempestade Indiana - projeto do grupo Footbarns (2012)
A representação da peça a quatro línguas (francês, inglês, sânscrito e malavalam - língua oficial da região indiana de Kerala, onde o grupo Footsbarn realizou uma digressão marcante) é decerto uma babel verbal para o espectador comum. Ariadne tem a música, a luz, os movimentos, o cenário e os adereços para compor um fio não verbal e uma atmosfera de fantasia que fez Shakespeare anunciar que "We are such stuff / As dreams are made on, and our little life / Is rounded with sleep".
Numa vida breve e que expira num sono, há nesta peça um A Midsummer Night's Dream com algo de milagrosa humanidade, numa obra composta de originalidade e complexidade cénicas, que muitos críticos apontam como a última e maior das peças shakespearianas.
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