Há casos que se revelam tão críticos que só os trataria com exemplos muito bem escolhidos, até porque há realizações que não são fáceis de resolver nem tão simples de entender.
Não fujo aos pedidos de ajuda, mas não se pode dar soluções (rápidas) para aprendizagens que são morosas, pois convocam uma rede de relações muito complexa e diversa no processamento a fazer (nomeadamente no ensino a promover) e nas condicionantes de realização a ativar.
Q: Vítor, estava a preparar uma ficha de trabalho com alguns pares de palavras / expressões conflituosos. No que diz respeito a "demais", enquanto advérbio de intensidade, fiquei com dúvidas. Há frases (Ele come demais) que posso transformar, dizendo o antónimo "de menos" e, por isso, acho que o mais correto seria dizer "Ele come de mais." Quando puderes, diz qualquer coisinha.
R: Este é, por certo, terreno crítico, de areias movediças, pelo que a ficha terá de clarificar e jogar com dados muito explícitos face a algumas realizações que possam admitir as duas formas de escrita.
O caso da palavra 'demais' é relativamente pacífico quando configura um advérbio de intensidade (sinónimo de 'excessivamente', 'demasiado', 'muito', para modificar um adjetivo, verbo ou advérbio), como em 1; um advérbio conectivo (com o sentido de 'além disso' ou ' de resto'), como em 2; um pronome indefinido (na lógica de quantificação associada ao significado de 'os outros', 'os restantes), como em 3:
1) Aquele rapaz é inteligente demais! / Nunca é demais avisar dos perigos / As más notícias chegaram cedo demais.
2) Chega de tanta brincadeira; demais, está na hora de sossegar, para toda a gente poder dormir.
3) Alguns decidiram ir à discoteca; os demais foram ao cinema.
3) Alguns decidiram ir à discoteca; os demais foram ao cinema.
O que constitui dúvida frequente é a homofonia presente no contraste do advérbio 'demais' e da locução adverbial 'de mais'. Esta última é usada em contextos permutáveis com a expressão 'a mais', numa lógica de quantificação comparativa implícita ('a mais do que o considerado normal') - daí a aproximação 'de mais' / 'de menos':
4) Ele falou de mais (isto é, falou a mais do que é normal, focalizando um número de tópicos / assuntos ou a quantidade de tempo gasta), para compensar os dias em que falou de menos (ou seja, falou a menos).
5) Ele comeu bolos de mais (ou seja, comeu bolos a mais, numa quantificação / pluralização - ainda que indefinida - acima do considerado normal) e também bebeu de mais (ou seja, bebeu a mais, na lógica e no foco das quantidades consumidas).
Quando o foco significativo é colocado em termos de intensificação e de excesso (inclusive na consideração do processo configurado no verbo), já será o advérbio 'demais' a ser utilizado, numa orientação aspetual associada a questões de duração e iteratividade. Daí a distinção, por exemplo, entre "Ele lê de mais nas férias" (para, comparativamente, se diferenciar de outros momentos em que lê de menos, perspetivando uma atividade levada a cabo num intervalo de tempo mais circunscrito e com foco num número, ainda que impreciso, de livros / obras lidos) e "Ele lê demais" (numa orientação mais focada para um entendimento do verbo 'ler' enquanto processo, sem intervalo de tempo nem quantificação definidos quanto ao número de objetos lidos e/ou de quantidade de tempo usada).
Também é significativo o contraste "Ele viveu de mais" / "Ele viveu demais", conforme se oriente a leitura, respetivamente, para o sentido de alguém ter vivido muito tempo (foco na quantidade associada aos anos de vida - viver a mais, em contraste com viver a menos) ou para a intensidade quanto ao modo de vida adotado (independentemente do número de anos de existência).
Há, portanto, no caso da modificação de verbos, variáveis a considerar para a seleção de 'demais' / 'de mais', com implicações semântico-pragmáticas de foco interpretativo muito distinto (nomeadamente, o da quantificação / intensificação pretendidas; o do sentido aspetual considerado na predicação).
Também é significativo o contraste "Ele viveu de mais" / "Ele viveu demais", conforme se oriente a leitura, respetivamente, para o sentido de alguém ter vivido muito tempo (foco na quantidade associada aos anos de vida - viver a mais, em contraste com viver a menos) ou para a intensidade quanto ao modo de vida adotado (independentemente do número de anos de existência).
Há, portanto, no caso da modificação de verbos, variáveis a considerar para a seleção de 'demais' / 'de mais', com implicações semântico-pragmáticas de foco interpretativo muito distinto (nomeadamente, o da quantificação / intensificação pretendidas; o do sentido aspetual considerado na predicação).
Obrigada, Vítor!
ResponderEliminarO exemplo que te encaminhei vi-o em "auxiliar de estudo" para estas dúvidas e deixou-me, de facto, na dúvida...
Agora estou mais esclarecida e terei cuidado com as frases que escolherei quer para ilustrar os conceitos presentes na ficha de trabalho quer para os exercícios.
De qualquer modo, ainda te mando a fichita antes de a aplicar...
Nada como o olhar do mestre que nunca é em demasia!... Bela maneira de fugir ao problema! :-)
Mais uma vez, muito obrigada!
bom fim de semana e beijinho
IA
Amiga,
EliminarO mestre aqui (só se for das obras feitas) às vezes anda com o olhar vesgo.
Tu tem cuidado!
Bom fim de semana também para ti.
Bjinho.