Reagiu o Ministro da Educação às palavras daqueles que consideram a nova proposta de programa de Português para o ensino secundário "um retrocesso".
A reação foi apresentada com fórmula retórica, numa interrogação que desarma todo aquele que possa achar os textos literários como produto de somenos importância. E nisso há muita razão. De facto, se é a literatura que nos ensina o que é o Homem, as suas tradições, os seus jogos criativos e reativos ao real, as suas construções simbólicas - esteticamente moldadas por uma teoria do gosto que se projeta naquilo que ele é e no que as intersubjetividades compõem -, não há textos mais significativos e formativos, pelo que dão e pelo que permitem criticamente represent(ific)ar e/ou ficcionar. Não têm que ser os autores e os textos mais atuais, recentes a fazê-lo, como o referiu a Presidente da Associação de Professores de Português, apelando para uma aproximação a uma realidade que frequentemente, e por contraste ao opinado, é desejável que seja ultrapassada e permita algum sentido de possibilidade alternativa. Há muitos textos atuais e de autores conceituados que não têm a elastividade nem a profundeza necessária à formação do ser; só do leitor mais consumista e imediato.
Assim é rebatido um argumento inconsistente e que nem sequer pode ser tomado como o que há de mais crítico na proposta de programa (e suas metas de aprendizagem, encaradas como referenciais orientadores das aprendizagens essenciais e implicadas em contextos de avaliação interna e externa).
Dela fiz já um comentário sucinto, na base de uma primeira e rápida leitura do documento recentemente publicitado.
Numa análise comparativa e esquemática do que são as metas acerca do domínio da Gramática, não há progressão que se afirme (nem visualmente configurada nem concetualmente sustentada em qualquer articulação a fazer com outros domínios). Assim, impõem-se algumas interrogações imediatas, seja a nível apenas do secundário seja a nível de uma leitura vertical com as metas do terceiro ciclo.
Numa análise comparativa e esquemática do que são as metas acerca do domínio da Gramática, não há progressão que se afirme (nem visualmente configurada nem concetualmente sustentada em qualquer articulação a fazer com outros domínios). Assim, impõem-se algumas interrogações imediatas, seja a nível apenas do secundário seja a nível de uma leitura vertical com as metas do terceiro ciclo.
Esquematização do domínio da Gramática,
a partir da proposta de programa de Português (Ensino Secundário)
Na procura de correspondências entre os objetivos e os descritores associados a cada um dos anos de escolaridade, assiste-se a:
. autênticos fossos / vazios de articulação, com abordagens atomizadas e insularizadas pela alocação num dos anos de escolaridade e/ou pelos tempos destinados ao seu tratamento (questões de variação e variedade linguística ficam-se pelo décimo ano, apenas numa perspetiva evolutiva; deixis só no 11º; anafóricos e catafóricos só depois, e no 12º ano, como se os mecanismos de retoma e de antecipação / anúncio de segmentos textuais pudessem assim ser planificados; semântica só no 12º, sabe-se lá porquê);
. descontinuidades entre o que seja o trabalho de 10º ano e o do 11º, o qual não apresenta progressões de metas gramaticais de nenhuma espécie relativamente ao ano de escolaridade antecedente;
. descontinuidades entre o que seja o trabalho de 10º ano e o do 11º, o qual não apresenta progressões de metas gramaticais de nenhuma espécie relativamente ao ano de escolaridade antecedente;
. focos orientados para aspetos gramaticais que deveriam ser objeto de abordagem progressiva, assente em critérios de processamento diferenciado, de complexidade constitutiva crescente, de articulação com plataformas de aprendizagem integradora (a sintaxe reduz-se praticamente a questões de funções sintáticas e de frase complexa - repetidas, face ao já lecionado nos 2º e 3º Ciclos -, sem articulação com aspetos semânticos ou com opções discursivo-textuais que os textos potenciam);
. apostas em conceitos que surpreendentemente se revelam específicos no tratamento gramatical a dar no nível secundário, conforme os assinalei a itálicos e negrito por não aparecerem nos anos ou ciclos precedentes (cf. "Identificar a função sintática predicativo do complemento direto"; "Identificar e construir campos lexicais; "Reconhecer e utilizar adequadamente diferentes verbos introdutores de relato do discurso" - não só não comparecem no ensino básico como são preteridos face a outras funções sintáticas não nucleares ou internas já trabalhadas nos 8º e 9º anos; a campo semântico, no 8º ano; a neologismo e arcaísmo, no 9º ano, mesmo que até faça sentido ver o neologismo à luz de processos irregulares de formação de palavras - só previstos para o secundário);
. objetivos associados exclusivamente a um tipo de descritores, quando qualquer estudo linguístico aponta para relações inevitáveis (por que razão não radicam as citações ou as modalidades de reprodução do discurso - no objetivo 18 - nos aspetos da dimensão pragmática do discurso - no objetivo 19?);
. uma falta / falha estratégica numa área de intervenção prioritária em termos de ensino-aprendizagem de uma língua: a aquisição, o desenvolvimento e o domínio lexical (vocabulário geral e específicos, colocações, expressões idiomáticas, expressões fixas, provérbios, entre outros aspetos), mais o exercício de (re)construção ou transformação de enunciados com vocábulos e/ou estruturas de significado equivalente; o sentido de avaliação e de adequação de registos, na assumida distinção entre o que são aspetos pragmáticos centrados na informalidade / formalidade e no sentido de avaliação e adequação de discursos orais / escritos.
Só por este domínio em concreto, basilar e estruturador de muito do trabalho necessário à oralidade, à leitura, à escrita e à própria educação literária, diria que esta proposta de programa é, no mínimo, um exemplo de estagnação nas aprendizagens (pelo menos, na passagem do que se espera no 3º Ciclo e do que se propõe para o Secundário); um evidente retrocesso face ao equacionado e explicitado no programa de Português em curso (com conhecimentos processuais e declarativos orientados para a ativação de competências e subcompetências de língua articuláveis com diferentes e amplas realizações); uma perda de tempo (como se os professores não tivessem que preparar, dar as suas aulas e considerar situações de um número cada vez maior de alunos) na discussão - ou na encenação dela - do que não é, por comparação com o que há e na substância científico-metodológica e didática, melhor para o ensino nem para as aprendizagens.
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