sábado, 28 de novembro de 2015

Nem tudo o que parece é!

      Alguém se queixava há pouco tempo de já não saber em quem acreditar...

     É fruto dos tempos, cada vez mais relativizados em referências, até porque muitas destas acabam por se desacreditar. Fica-se tudo por uma questão de publicidade, de imagem que interessa passar para um público que, não tendo muitas vezes tempo nem condições para fazer o que deve, se limita a aceitar o que lhe dão (por razões frequentemente muito discutíveis).
     Tudo isto por causa de uma pergunta que me faz lembrar algo a que já respondi há cerca de cinco anos.

      Q: Na frase "A determinada altura, o Mestre de Avis parecia que estava a desanimar", consideras 'que estava a desanimar' um predicativo do sujeito? No meu manual aparece esse exemplo numa sistematização de funções sintáticas, na sequência do verbo copulativo 'parecer'. Este 'parecer' é um verbo copulativo? Quando puderes... Obrigada.

        R: Ora cá está um caso bem claro (a propósito do próprio verbo) de que nem tudo o que 'parece' é. Nem o verbo parecer é copulativo nem o segmento em causa é predicativo do sujeito. A preocupação em dar etiquetas, sem testar o que se pretenda ensinar, ou mesmo em colocar num mesmo saco elementos bem distintos resulta numa inconsistência evidente (para não lhe dar outro nome).
         Primeiro de tudo, considere-se a seguinte comparação:

         i) O Mestre de Avis parecia que estava a desanimar.
         ii) Parecia que o Mestre de Avis estava a desanimar.

       O verbo sublinhado em ambas as situações equivale a 'dar a impressão de', sem permuta possível com um outro copulativo. Dizer 'O Mestre de Avis parecia desanimado / estava desanimado / continuava desanimado / ficava desanimado' convoca configurações típicas de predicados com verbos copulativos seguidos de predicativo do sujeito; todavia, o mesmo não sucede com as frases i) e ii):

         i') * O Mestre de Avis estava / continuava / ficava que estava a desanimar.
         ii') * Estava / Continuava / Ficava que o Mestre de Avis estava a desanimar.

      Se, por um lado, não há aproximação de 'parecer' a um verbo copulativo, a subordinada completiva finita 'que estava desanimado' remete, por outro lado, para um sujeito subordinado colocado na sua posição típica (anterior ao predicado subordinado, como em ii) ou numa posição invertida (situado, por uma estrutura de elevação, antes do predicado subordinante, como em i).
        Ou seja, "O Mestre de Avis" em i) não é sujeito sintático do verbo ´parecer', mas sim de 'estava a desanimar', conforme se verifica em ii). Nessa medida, o predicado subordi-nante ('parecia X') tem como sujeito um lugar vazio, correspondente a um sujeito nulo expletivo (que, por exemplo, no francês correspon-deria ao pronome 'il' - 'il semble que...' - e no inglês ao 'it' - 'It seems that...'). Mais uma razão para, neste contexto, não se classificar 'parecer' como verbo copulativo, por não manter ligação entre sujeito (nulo) e uma propriedade deste último (predicativo do sujeito).
         Em suma, estamos perante uma realização de 'parecer' como verbo pleno, transitivo, seguido de um complemento direto ('que [o Mestre de Avis] estava a desanimar'). O facto de a frase matriz apresentar um sujeito nulo expletivo é razão para se viabilizar a elevação do sujeito subordinado ('o Mestre de Avis') para a posição do primeiro.

      E para que não julguem que isto é complicação ou novidade minha, basta ler o que João Andrade Peres e Telmo Móia referem a este propósito nas Áreas Críticas da Língua Portuguesa (Lisboa, Caminho, 1995, pp. 253 e seguintes). Já tem alguns anos, pelo que não é nova dos últimos tempos - já vai com vinte anos. Depois, se alguém certificou cientificamente o manual em causa, que responda publicamente pelo que fez (mal).
     

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