Depois de Cristo ter tido dois pais, eis que chega a questão do dia: o cartão de cidadão / cidadania.
Comenta-se o projeto apresentado, na Assembleia da República, pelo Bloco de Esquerda (BE), para modificar a designação do 'Cartão de Cidadão', que se quer 'Cartão de Cidadania'. A argumentação parece residir no facto de não se respeitar a "identidade de género de mais de metade da população portuguesa”. Portanto, defende-se que a denominação masculina está desajustada à taxa populacional maioritariamente feminina (depreende-se) ou, então, pretende-se que ela seja preterida face a uma outra mais neutra e mais próxima de uma igualdade de direitos entre homens e mulheres.
Isto de confundir o género linguístico (gramatical) com o género biológico (sexual) é, no mínimo, risível! Enfim... noções tão distintas que bastaria saber um pouquinho sobre
- nomes comuns de dois - como a designação o indica, com dois valores de género, sem consequências morfológicas (a palavra mantém-se inalterada independentemente do género), mas com consequências sintáticas (desencadeando concordâncias), como é o caso de 'o/a jornalista' ou 'o/a intérprete';
- nomes sobrecomuns, sem contraste de género e sem marcação morfológica ou sintática (apesar de referir entidades de um e outro sexo), como 'a pessoa, a criança ou o indivíduo, a testemunha';
- nomes epicenos - na designação de animais, apenas com um género gramatical, embora referindo ambos os sexos, como 'a cobra, o elefante, a águia, a foca' (expansíveis com o restritor «macho» ou «fêmea»).
No meio disto tudo, antevejo já um problema sério: quando o BE descobrir que, na língua portuguesa, o género marcado, linguisticamente, é o masculino, vai ser um Deus nos acuda! Já ouço quão injusto é, no meio de tanto feminino, um só masculino se impor! Onde já se viu! Nem o genérico Homem, para designar a Humanidade, vai ser permitido!
Preparemo-nos, porque as polémicas mudanças do Acordo Ortográfico serão pormenores de somenos importância face à revolucionária mudança que o Português vai ter de sofrer, em nome de uma língua mais promotora da "igualdade de género".
A não ser despiciendo o projeto, diria que a prioridade da iniciativa é, no mínimo, bastante discutível. No meio disto, só falta pensar que alguns milhares já terão sido, por certo, gastos no pagamento de tanto estudo, tanta hora de discussão e pouca oportunidade de ação comprometida com o desenvolvimento do país e a melhoria de condições de quem trabalha, independentemente do género e a bem de todos os que labutam seriamente.
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