sábado, 10 de outubro de 2020

Uma questão de rima (com muitas questões)

      Quando tudo passa pelos sons, é bom que se esqueça por momentos a escrita.

     Assim tem de ser quando de rima (homofonia ou conformidade sonora geralmente configurada no final de versos) se trata.
      Surge o apontamento por causa de uma dúvida:

      Q: Entre as palavras 'coroou / passou' e 'trouxe / fosse' a rima é consoante? Ou não?

      R: Primeiro de tudo, interessa clarificar que 'rima' é termo para designar homofonias sonoras a partir da sílaba tónica de palavras, integrando obrigatoriamente um núcleo (vocálico) e opcionalmente uma coda (consoante final). 
       Consultando o Tratado de versificação portuguesa, de Amorim de Carvalho ([1941] 1981, Lisboa, Centro do Livro Brasileiro páginas 77-79), é possível verificar que a rima consoante é aquela que consiste na homofonia completa de sons vocálicos e consonânticos, ou só os vocálicos (quando não existem consoantes) a partir da sílaba tónica; a toante ou assonante, quando apoiada apenas nos sons vocálicos ou nos consonânticos, a partir da sílaba tónica (daí ser designada também de rima incompleta).
   Ora, no par 'coroou / passou', é possível verificar que as sílabas tónicas (sublinhadas) têm correspondência total nos sons vocálicos em rima (sem existência de coda, e não obstante a presença de um som de ataque inicial na segunda palavra). Daí tratar-se de rima consoante (ou completa).
      Com o par 'trouxe / fosse', já não há correspondência total dos sons que rimam (o núcleo silábico na primeira palavra é um ditongo, ao contrário da vogal fechada no núcleo da segunda). Neste caso, estamos perante rima toante (ou incompleta).

      A análise mais precisa da sonoridade das rimas é aquela que admite como preferencial a classificação rima completa (total dos sons) / incompleta (não total), como já o próprio Amorim de Carvalho o admitia em nota na sua obra.

Sem comentários:

Enviar um comentário