sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Confiar... sem fiar... e mais um '-ar'

      Reproduzo parte de um comentário feito anteriormente, ao qual respondo tardiamente, dados os afazeres de que nunca me livro (espero que o meu prezado leitor me perdoe, por esta demora).

       Q: Boa tarde, professor.
    (...) Sou professor de língua portuguesa no Brasil e trabalho em escolas de preparação para concursos públicos. Desde já, manifesto minha admiração por este sítio inovador e instrutivo.
     Em tempo, gostaria de ler suas análises acerca do processo de formação das palavras DESFIAR e ENCORAJAR, porquanto da finalização de gramática normativa na qual pretendo unir informações dos melhores mestres.
     Muito obrigado pela atenção desprendida!

      R: Para começar, uma palavra de agradecimento para a gentil apreciação feita ao sítio.
     Quanto à proposta formulada, começo por referir que a palavra 'desfiar' tem como base 'fiar', à qual se acrescentou o prefixo 'des-' ([des[fiar]]). Entre a base (verbal) e a palavra derivada (verbo), há uma relação de significado assente na ideia de oposição / separação, dado que 'desfiar' implica separar, desfazer (um tecido) em fios.
       O caso de 'encorajar', após consulta de vários dicionários, permite-me referir que apenas o Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa o aponta como um caso de empréstimo (via francês: encourager). Outros, nomeadamente o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea (2001: 1401), da responsabilidade da Academia de Lisboa e da Fundação Calouste Gulbenkian, indicam tratar-se de um verbo formado a partir do nome 'coragem' ([en[coragem]ar]).
      Segundo a primeira hipótese, tratar-se-ia de um caso de empréstimo, isto é, transferência de uma palavra de uma língua para outra, acompanhada de um processo de 'aportuguesamento' (combinando o som original da base [Ʒ] com a terminação da primeira conjugação) no acolhimento do novo termo - a terminação em '-ar', sublinhe-se, apresenta alguma regularidade, sistematicidade e produtividade no Português, a julgar por verbos mais recentes como 'printar', 'deletar', 'eucaliptizar', entre outros.
      Com a segunda hipótese, maioritariamente atestada, verifica-se o processo de parassíntese: a base nominal 'coragem' (graficamente marcada com 'g', mas fonologicamente representada por [Ʒ]) deriva para uma forma verbal, pela junção simultânea do prefixo 'en-' e dos sufixos gramaticais '-[[a]r] (a vogal temática mais o sufixo verbal do infinitivo). Neste caso, 'encorajar' é um verbo denominal, à semelhança de muitas outras palavras formadas parassinteticamente.

     Sem a mestria dos melhores, fico-me por um contributo que merece apenas o que nele se queira ver. O que nele (re)vejo é o resultado de leituras que vou integrando e me vão ajudando a perceber algo mais sobre a língua que uso e ensino (na esperança de que o vá fazendo bem).

2 comentários:

  1. Caro mestre,

    Li sua resposta e ficou uma dúvida: como explica a ausência do «m» na evolução coragem > encorajar? Será caso de queda a considerar na formação da palavra?
    Muito agradecida.

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    1. Esta questão merece resposta em apontamento autónomo, que tratarei de produzir a curto tempo.
      Grato pela questão.
      Cumprimentos.

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