quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Das pequenas coisas que fazem os dias diferentes

     Com o convite para ler Álvaro de Campos a uma turma de 12º ano...

     Ler é uma das actividades mais comuns para quem dá aulas de Português. Porém, quando uma amiga nos pede para partilhar essa experiência com alunos, a responsabilidade é bem maior. Não defraudar expectativas, dar voz a um texto que não é nosso, querer motivar os alunos para a música que a poesia sempre foi são desafios que tudo pode comprometer.
Capa de uma separata  com o poema "Tabacaria"
    "Ode Triunfal" e "Tabacaria" - poemas em dois registos tão distintos, tal qual actor que, no mesmo palco, tem de rir e de chorar; de mostrar e de esconder; de gritar e de sussurrar.
    Se no final da primeira composição poética pode já anunciar-se o tom da segunda, é nesta última que um balanço existencial (entre o pessimismo e a desilusão, a falha e o desalento, a angústia e a desesperança) se revela mais humano.


      "Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta"
in "Tabacaria", 15 de Janeiro de 1928 


      Na primeira, o ideal da tecnologia, do dinamismo é expressão para a crença e a afirmação do tecnicismo, no qual a moralidade (bem e mal) não existe. Daí os versos tão actuais de quem quer (ser) a máquina:

      "A maravilhosa beleza das corrupções políticas,
       Deliciosos escândalos financeiros e diplomáticos,
       Agressões políticas nas ruas,
       (...)
      Notícias desmentidas dos jornais,
      Artigos políticos insinceramente sinceros,
      Notícias passez-à-la-caisse, grandes crimes -
      Duas colunas deles passando para a segunda página!"


in "Ode Triunfal", Londres, Junho de 1914
  
     Num tempo feito de celeridades, de objectivos "cegos" à humanidade que nos distingue de máquinas, de rebanhos que não são pensamentos (para contrariar Caeiro), de industrializações tais que tudo reduzem a números, a gráficos e a comparações insensatas,...

     ... viveu-se o prazer de um instante multiplicado em lembranças, (re)encontros, partilhas e afectos - a felicidade mágica de silêncios, sorrisos, sensações que os versos e a boa escrita conseguem dar, numa alternativa ao tempo físico que tritura o ser, sem lhe dar o tempo necessário para crescer.

6 comentários:

  1. Obrigado por tudo o que me deram na vossa aula. Foi bom sentir-vos comigo.
    Reconhecidamente.

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  2. João Quando Era Pequenino4 de fevereiro de 2011 às 20:42

    Nós apenas reagimos, não fizemos de propósito. A sua "simples" leitura foi um sopro de vida para a poesia que cada vez mais é afastada pelas pessoas. Eu adoro poesia (embora não tenha a certeza que ela sinta o mesmo por mim); portanto, agradeço. Certamente ela também agradecerá.

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  3. A vossa reacção foi o elixir do meu dia, feito de tristezas e de alegrias. A vós, coube-vos dar-me algumas das alegrias, por aceitarem que a minha voz "cantasse" os versos que Campos nos ofertou. Senti-me no seio de um instante transformado em pequena tertúlia, dando voz à sedutora poesia; em pequena sala de magia, plena de vontades (Ah! Se Blimunda o soubesse...).
    Muito grato pelas palavras gentis.
    Bom fim de semana.

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  4. Quero deixar aqui o meu agradecimento pela incrível leitura que o professor nos proporcionou na passada 5ª feira.

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  5. Obrigado, Francisco. Fico satisfeito por vos ter aproximado um pouco mais da poesia de Álvaro de Campos. Além disso, deu para matar saudades de caras amigas. Sempre ao dispor. Abraço.

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