No reencontro com algumas páginas desse grande romance intitulado Os Maias, de Eça de Queirós...
Já me perguntei se não estarei dominado pelo romântico mito do eterno retorno. Pode ser trágico o retorno do passado para um presente que indicia retrocessos na sua evolução (por mais ambíguo ou contraditório que isto possa parecer) ou no seu simples fluir - leia-se Frei Luís de Sousa, de Garrett, para assim se concluir.
E que dizer de umas simples linhas como estas, no capítulo VI do romance queirosiano?
«Ega ia fulminá-lo. Mas, vendo que o Cohen dava um sorriso enfastiado e superior a estas controvérsias de literaturas, calou-se; ocupou-se só dele, quis saber que tal ele achava aquele St. Emilion; e, quando o viu confortavelmente servido de sole normande, lançou com grande alarde de interesse esta pergunta:
– Então, Cohen, diga-nos você, conte-nos cá... O empréstimo faz-se ou não se faz?
E acirrou a curiosidade, dizendo para os lados que aquela questão do empréstimo era grave. Uma operação tremenda, um verdadeiro episódio histórico!...
O Cohen colocou uma pitada de sal à beira do prato, e respondeu, com autoridade, que o empréstimo tinha de se realizar «absolutamente». Os empréstimos em Portugal constituíam hoje uma das fontes de receita, tão regular, tão indispensável, tão sabida como o imposto. A única ocupação mesmo dos ministérios era esta – «cobrar o imposto» e «fazer o empréstimo». E assim se havia de continuar...
Carlos não entendia de finanças: mas parecia-lhe que, desse modo, o país ia alegremente e lindamente para a bancarrota.
– Num galopezinho muito seguro e muito a direito – disse o Cohen, sorrindo. – Ah, sobre isso, ninguém tem ilusões, meu caro senhor. Nem os próprios ministros da Fazenda!... A bancarrota é inevitável: é como quem faz uma soma...
Ega mostrou-se impressionado. Olha que brincadeira, hem! E todos escutavam o Cohen. Ega, depois de lhe encher o cálice de novo, fincara os cotovelos na mesa para lhe beber melhor as palavras.
– A bancarrota é tão certa, as coisas estão tão dispostas para ela – continuava o Cohen – que seria mesmo fácil a qualquer, em dois ou três anos, fazer falir o país...»
Qualquer semelhança com a realidade não é pura coincidência.
Diga-se que a literatura é ficção, sempre foi e será; mas quando o tempo alternativo se conjuga tão bem com o real não deixa de ser uma verdade a (re)viver, seja no momento da produção (marcado por um paradigma cientificista e positivista) seja no da leitura e da contemporaneidade (a que o futuro e a História virão a designar com um '-ismo' a estudar). Disto também se fazem as grandes obras.
Entre máscaras, desencantos, desenganos e desilusões, lá vamos a correr (para não desistir) à procura de um novo "americano", esquecendo de novo o "paiozinho".
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