terça-feira, 19 de abril de 2011

Nem sempre o que subordina é frase

    De novo sintaxe, com a complexidade que as frases nos oferecem e que muita gente ainda discute.

    Porque há frases complexas que se configuram por encadeamentos a diferentes níveis, cá vem um exemplo em que as árvores (invertidas, com tronco no céu e ramos na terra) sempre podem dar frutos.

    Q: Como se classificam as orações da frase «Não gostei da maneira como ele olhou para mim.»? E qual é a classe de «como»?

    R: Para analisar a frase dada, marcada pelo mecanismo de subordinação, partiria da constatação de que há uma estrutura subordinante ou superordenada, que corresponde à da frase matriz ('Não gostei de X'). Entretanto, X surge configurado da seguinte forma: 'a maneira como ele olhou para mim'. 
    A relação de dependência que se constrói entre o segmento subordinante e o subordinado opera-se na base de um constituinte (grupo nominal 'a maneira') restritivamente expandido ('como ele olhou para mim').
    Esquematicamente, tem-se qualquer coisa como:


     O grupo nominal expandido (no segundo nível - vermelho) apresenta o elemento 'como' enquanto pronome relativo, palavra de retoma para 'a maneira' - o elemento subordinante, que se articula com o segmento subordinado. Há, assim, uma segunda oração introduzida por um pronome relativo, o que faz desta última uma subordinada relativa restritiva.
     De qualquer forma, e porque entendo a dúvida e o desafio implicados na questão, devo registar que, numa breve consulta de algumas referências, detectei uma informação relevante. Na primeira versão da Gramática da Língua Portuguesa, coordenada por Mira Mateus (1989: 298), é interessante ler-se o seguinte a propósito da análise de alguns enunciados: "Vemos assim que quando, enquanto, como se aproximam quer pela sua forma quer pelo seu valor sintáctico-semântico dos morfemas relativos. (...) permitem ver como é afinal ténue a fronteira entre os morfemas relativos e algumas das chamadas «conjunções subordinativas». Os morfemas relativos podem exprimir valores coincidentes com os de outros conectores de subordinação." A citação aqui transcrita apoia-se, ainda, numa afirmação de Óscar Lopes que, na sua Gramática Simbólica do Português, nota "a semelhança, se não a homonímia, e o visível nexo existente entre certas conjunções ('porque', 'como', 'quando') e certos advérbios interrogativos", numa aproximação de parentesco das orações conjuncionais às relativas (1972: 310).
     Neste sentido, diria que a classificação de 'como' (por muito que me incline para pronome relativo) não pode desconsiderar totalmente a propriedade afim de uma conjunção. E precisamente por esta natureza homonímica de que fala Óscar Lopes, tenderia, em termos pedagógico-didácticos, a sublinhar o estatuto de conector / articulador do termo.

      Caso para dizer que, independentemente do conhecimento explícito da língua centrado na classificação em termos de classe de palavras, este é um dos exemplos em que a pedagogia do oral e a do escrito apontam para a funcionalidade expansiva, coesiva e articulatória de enunciados / discursos.

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