Há, de facto, na língua portuguesa, situações ou casos muito complicados, por mais repetidos que sejam na exemplificação de alguns mecanismos ou processos linguísticos, logo nos primeiros anos de aprendizagem formal da língua.
Q: Como você explica a seus alunos a formação de termos aumentativos, como é o caso de 'canzarrão', 'gatarrão' e 'casarão'? Acha que são casos de derivação sufixada?
R: Reconheço a dificuldade, desde já, na explicação destes casos, em termos morfológicos. Ainda que sejam habituais na exemplificação do grau aumentativo dos nomes, por segmentação morfológica dificilmente se escapa a uma implicação de conhecimentos dos quais o falante comum já não tem forte consciência. Aponta-se para alguma irregularidade em termos de formação, o que poderá tender para o processo de lexicalização de algumas das palavras.
Começando por 'canzarrão', trata-se de um caso que evidencia a marca do Português enquanto língua proveniente do latim: o radical latino 'can(e)-'. O sufixo '-ão' é comum e, entre outros valores, é utilizado com sentido aumentativo. Do que resta da segmentação é um sufixo, por uns estudiosos perspectivado como de substrato pré-romano e por outros tomado como de origem basca ('-arro' / '-arra' / '-orra', presente em 'bocarra', 'cabeçorra'). Nesta linha, ter-se-á ainda o interfixo '-z-'. Em síntese, tudo parece apontar para o facto de se estar perante uma palavra derivada por sufixação, mas com uma sucessividade faseada na derivação (cão > *canzarro > canzarrão) - o que não andará distante da derivação de 'homenzarrão' (< *homenzarro < homem) e de 'gatarrão' (<*gatarro < gato), neste último caso sem a necessidade do interfixo.
Quanto a 'casarão' (que também convive com a forma dicionarizada 'casão'), há maior regularidade nos processos e nos constituintes morfológicos a considerar: à base 'casa' acrescenta-se o sufixo '-ão', mediado pelo interfixo '-r-'.
Perante isto, tremo só de pensar que algum aluno esteja na idade dos 'porquês' e tudo queira saber.
Pela complexidade verificada, estes são casos que não deverão ser abordados na lógica das regularidades da língua: há exemplos mais pacíficos na sistematicidade de processos e na regularidade dos afixos. Pelo menos, são exemplos que contemplaria mais na perspectiva do trabalho do léxico do que na do processo de formação de palavras.
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