sábado, 24 de novembro de 2012

Do valor dos terraços - pouco caros à língua.

     Não me rendi à publicidade nem à compra de imóveis.

     Há, contudo, um interesse que me leva a divulgar esta pequena nota publicitária retirada de um panfleto da empresa imobiliária "ERA". O propósito da venda pode ser grande, o valor proposto também; mas, no que toca à utilização da língua, estamos no domínio do zero.
     A questão crítica é a da translineação da palavra 'terraço'. É de consabido saber que, nos casos de grafemas duplos, a partição da palavra se faz de modo a colocar a letra duplicada em locais separados: uma no final da linha; outra no início da linha seguinte. Assim, adotando uma notação convencional para exemplificar essa partição (marcação de ponto), ter-se-ia 'ter.raço' como a forma correta de translinear a palavra.
     Esta convenção ortográfica é recorrentemente contrariada por alguns alunos e, também, por materiais escolares que induzem à confusão do que, por um lado, é a realização gráfica da língua (em termos da escrita e das convenções ortográficas) e, por outro, a realização fónica (em termos de silabação e produção sonora, oral). É, aliás, esse exemplo de confusão que esta nota publicitária também evidencia.
    Há poucos dias, uma colega perguntava-me se tinha havido alguma mudança nas normas da translineação, porque tinha reparado num material que propunha a divisão de 'passado' como 'pa-ssa-do'. Naturalmente, esta proposta está errada. E uma outra, sem exemplo, perguntava-me como é que eu fazia a divisão silábica das palavras, se era da mesma forma que translineava. Em tão pouco tempo, a preocupação comum fazia-me lembrar a necessidade de um apontamento sobre a questão.
      Desde logo, proponho que a notação a utilizar não recorra ao uso de hífen, pela confusão que pode criar, em termos ortográficos, com contextos de tmese (mesóclise) ou mesmo de pronominalização justaposta a formas verbais / formas pronominais (e cria, por certo, tantas vezes quantas as de haver alunos que separam as terminações dos verbos, por exemplo). A notação de pontos ou de parêntesis retos é, assim, mais adequada. 
    Acresce a isto a necessidade de se consciencializar dois níveis de análise da língua, os quais, esquematicamente, podem ser demonstrados da seguinte forma:

      Distinguir as convenções da oralidade relativamente às da escrita requer cuidados notacionais, além de se assumir fundamentalmente a diferença entre o que é percecionar auditivamente um som (que se procura reproduzir, na escrita, por vezes com mais do que uma letra) e o que é ler uma letra (convenção escrita).

    Caso para dizer que já era! Estivesse eu interessado na compra e pedia já um desconto, por falta de credibilidade no anúncio publicitário.

2 comentários:

  1. Olá, Vítor

    Acabei de ler o teu texto sobre a translineação. Muito útil.

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