sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Chegou a vez dos falares, dos dialetos e das línguas

     Na variação que comprova o modo de ser de uma língua viva, o que hoje é nada tem de eterno.

      Isto é o que se me oferece dizer, em jeito de balanço, antes de responder à solicitação seguinte:

      Q:  Sempre estudei que é dada a atribuição de dialeto ao mirandês.
       Àquilo que sempre aprendi, como sendo variedades linguísticas regionais (caso dos diversos falares do português do Minho, de Trás-os-Montes, do Alentejo, do Algarve), pode dizer-se que se trata de dialetos?
       E ao português falado na Madeira e nos Açores, pode atribuir-se a designação de dialetos?
         É que estive numa palestra como assistente e isto fez-me pensar.

     R: Apetece-me dizer sim a tudo, ainda que tenha de clarificar alguns dados.
        O conceito 'dialeto' associa-se ao estudo da variação e das variedades de uma dada língua, no interior de uma comunidade que a utiliza com marcas de diversidade e diferenciação, mais particularmente as que dizem respeito ao fator geográfico (ainda que este último esteja em relação estreita com questões de natureza histórico-cultural ou político-administrativa determinantes), e que se refletem essencialmente nos domínios fonético-fonológico, morfológico e lexical. Trata-se, portanto, das várias formas que uma mesma língua assume ao longo da sua extensão territorial (dialetos regionais ou, simplesmente, dialetos).
      Sociolinguisticamente equacionado numa perspetiva valorativa, um dialeto referencia-se relativamente à norma-padrão de uma certa língua e assume a distintividade diatópica, segundo uma área ou zona mais ou menos alargada (para se distinguir do que é um "falar", conceito mais reservado a realizações linguísticas próprias de localidades mais circunscritas - por exemplo, no dialeto duriense, há diferenças entre os falares do Porto da Ribeira e os do Porto da zona do centro da cidade).
    É comum dizer-se que, em Portugal, existem
i) os dialetos setentrionais (que compreendem subdialetos transmontanos e alto-minhotos, mais os baixo-minhotos, durienses e beirões);
ii) os centro-meridionais (que englobam os do centro-litoral -estremenho-beirões - e os do centro-interior - ribatejano, baixo-beirão, alentejanos e algarvio);
iii) os insulares (que dizem respeito aos que se falam na Madeira e nos Açores).
     Os estudos dialetológicos do professor Lindley Cintra, que datam de 1971, motivaram esta classificação geral.
    Quanto ao caso específico do mirandês, este demonstra como a noção de dialeto também joga bastante com o critério do estatuto político-administrativo: junto dos dialetos asturo-leoneses (Rionorês, Guadramilês, Mirandês), aquele ganhou relevo a ponto de atualmente ser considerado uma segunda língua oficial no território nacional.
    Trata-se, portanto, de um conceito com elevado grau de relativização. Numa perspetivação evolutiva, a existência e a variação de dialetos pode culminar na transformação destes em línguas, pela aquisição de um estatuto sócio-político-administrativo que assim as institui (foi o que sucedeu com o mirandês, em Portugal, com a Lei nº7/99 de 29 de janeiro, que o tornou segunda língua oficial do país).

Imagem: Classificação dos dialetos galego-portugueses, segundo estudo de Luís Filipe Lindley Cintra datado de 1971, 
numa súmula que pode ser encontrada na Nova Gramática do Português Contemporâneo (Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1984, p. 15).

      O tempo já mostrou como o que foi uma língua viva, como o latim, teve os seus dialetos, na ampla variação geográfica que matizou a realização desse idioma (enquanto instrumento de romanização) e que esteve na origem de novas línguas (as românicas ou novilatinas).

2 comentários:

  1. Olá, Vítor!
    Sou professor e escritor do Sul do Brasil (Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul), terra do Luís Felipe Scolari, Ronaldinho, etc.
    Preciso de sua opinião, referente aos falares portugueses, pois devo lançar livro cá no Brasil e um dos assuntos abordados é esse, em capítulo especial. Venho coletando ideias e entrevistando vários portugues via Internet e pessoalmente, cá no Brasil. Mas nenhum é especialista na área... Deixo meu "correo" p/maiores diálogos, caso resolvas dar-me ajuda: mpretelguerrero@hotmail.com
    Um abraço,
    Miguel Pretel (Guerrero) Schaff

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  2. Caríssimo Miguel,

    No que eu puder ajudar (ainda que não seja a minha área privilegiada de estudo na Língua Portuguesa), poderei sempre colaborar consigo, aconselhando-o a relativizar sempre o que possa ser o meu saber face à temática pretendida.
    De qualquer forma, coloco-me ao dispor. Pode também contactar-me através do meu endereço pessoal: oliveiravitormf@gmail.com
    Abraço, com os votos das maiores felicidades nos seus projetos.
    Vítor Oliveira

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