sábado, 9 de fevereiro de 2013

Hitchcock Com Alma

       Foi já no curso de um sábado que a porta da sala de cinema se abriu, para deixar sair os dois únicos espectadores de uma sessão de sexta à noite.

      O nome Alfred Hitchcock (1899-1980) é por certo geracionalmente reconhecido; noutros casos, é um realizador de cinema a descobrir, para se revelar o mestre dos filmes de suspense (ainda que, aos olhos dos espectadores habituados aos efeitos hoje conseguidos na sétima arte, possa parecer exemplo de menor empolgamento).
     O filme é um tributo à personalidade daquele que, também como figurante, aparecia nas suas realizações, quase como se fosse a sua forma de as assinar. Tão pouco conhecido na sua dimensão mais pessoal, mais familiar; na interioridade que tão bem explorou; na sua dimensão psicologicamente intensa e intrigante, Hitchcock tem nesta obra, dirigida por Sacha Gervasi, um retrato biográfico apostado em desvelar o que há de mais marcante em Sir Hitchcock - nas convicções assumidas, nas escolhas feitas, nos ideais perseguidos, tanto no cinema como na vida.


      Na interpretação bem conseguida de Anthony Hopkins - cuja caracterização explora a obesidade, a ritualização das falas, o ritmo arrastado e sagaz, a altivez teatral dos gestos -, reencontra-se a silhueta, o poder observador e acutilante do olhar, o humor sedutoramente estratega e desconcertante nas interações e relações, o conhecido "good evening" que o diretor inglês proferia no final das curta ou longa-metragens. Na cena em que o ator representa (quase numa espécie de bailado), as reações do público a "Psycho" (1960), joga-se o aliciante e o cómico, evidenciando-se a perfeita consciência do realizador de "Os Pássaros" (1963) para atingir o seu auditório cinéfilo. Neste sentido, há aqui um Hitchcock com alma; há ainda um com Alma (Reville), quando se destaca a figura vital da mulher que o complementou e o soube acompanhar na vida e na arte.
      Não se podendo dizer que se trata do melhor dos filmes ou que se perde muito se, um dia, este vier a ser visionado em pequeno ecrã, há aspetos, contudo, a relevar desde já na película: desde logo, a representação e caracterização de Hopkins; o paralelismo construído entre a produção paralela do filme "Psycho" no filme "Hitchcock", explorando relações biográficas e associações artísticas / técnicas que sublinham o "maior diretor de todos os tempos" (segundo a revista cinematográfica The Screen Directory) como figura cimeira do thriller, do terror, do insólito, do inesperado; a reprodução sonora de trilhas e de efeitos de suspense; a parceria construída entre Hopkins-Helen Mirren, numa identificação coesa do casal Hitchcock-Alma; a afirmação das convicções de um homem sobre os jogos e poderes de figuras empresariais que o procuraram condicionar, manietar a ponto de lhe minarem a felicidade ou quererem desvirtuar aquilo em que acreditava.

       Pelo que dá a conhecer do homem e pela mensagem transmitida (na defesa e resistência face àquilo em que se crê e por que vale a pena lutar), o filme resulta. E se, no final, a música de "Alfred Hitchcock apresenta" (uma das séries televisivas produzidas pelo realizador) não sair da cabeça nem da boca dos espectadores, é porque havia alguém que sabia o que andava a fazer.

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