sexta-feira, 10 de maio de 2013

Que luz é esta?

      A pergunta impõe-se.

     Já partilhei este poema na "carruagem". Revi e reli-o, pois uma amiga enviou-mo em postal de fim de semana (prática já com uns anos, entre as poucas que ainda vão sobrevivendo de tempos em que havia mais condições para trabalhar e ter reuniões de grupo, partilhando textos, experiências, práticas, métodos, dúvidas relacionados com a disciplina lecionada).
      Hoje retomo-o e reapresento-o, acompanhado de duas vozes, escutadas num curto projeto televisivo com que a RTP brindou os espectadores por pouquíssimo tempo na sua programação ("Um Poema por Semana", ideia de Paula Moura Pinheiro).
       De Jorge de Sena (1919-1978), fica "Uma pequenina luz", na interpretação de Catarina Guerreiro:


Uma pequenina luz 

Uma pequenina luz bruxuleante
não na distância brilhando no extremo da estrada
aqui no meio de nós e a multidão em volta
une toute petite lumière
just a little light
una picolla... em todas as línguas do mundo
uma pequena luz bruxuleante
brilhando incerta mas brilhando
aqui no meio de nós
entre o bafo quente da multidão
a ventania dos cerros e a brisa dos mares
e o sopro azedo dos que a não vêem
só a adivinham e raivosamente assopram.
Uma pequena luz
que vacila exacta
que bruxuleia firme
que não ilumina apenas brilha.
Chamaram-lhe voz ouviram-na e é muda.
Muda como a exactidão como a firmeza
como a justiça.
Brilhando indeflectível.
Silenciosa não crepita
não consome não custa dinheiro.
Não é ela que custa dinheiro.
Não aquece também os que de frio se juntam.
Não ilumina também os rostos que se curvam.
Apenas brilha bruxuleia ondeia
indefectível próxima dourada.
Tudo é incerto ou falso ou violento: brilha.
Tudo é terror vaidade orgulho teimosia: brilha.
Tudo é pensamento realidade sensação saber: brilha.
Tudo é treva ou claridade contra a mesma treva: brilha.
Desde sempre ou desde nunca para sempre ou não: 
brilha.
Uma pequenina luz bruxuleante e muda
como a exactidão como a firmeza
como a justiça.
Apenas como elas.
Mas brilha.
Não na distância. Aqui
no meio de nós.
Brilha.
Jorge de Sena, 25 /09/1949
in Fidelidade (1958)

      E, para fechar, a voz de Samuel Úria:


      Isto porque a poesia é voz, é ritmo, entoação, melodia... música à espera do canto.

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