terça-feira, 17 de novembro de 2020

No reino dos perfis falsos

      A propósito de Fernando Pessoa e da sua heteronímia.

      Uma aluna apresentou na aula uma imagem sugestiva:

Um Pessoa múltiplo, sem falsidades e com muita criação / criatividade 
(imagem cedida, com agradecimento, pela CS)

      Digamos que, na criação artística (na lógica da teoria do fingimento artístico), a imagem faz todo o sentido, se pensarmos em nomes como Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro de Campos e Bernardo Soares. Entre os heterónimos e o semi-heterónimo, há efetivamente quatro perfis que não tomaria como falsos, a julgar pelas seguintes palavras desse autor-criador modernista: 

" Se me disserem que é absurdo fallar assim de quem nunca existiu, respondo que também não tenho provas de que Lisboa tenha alguma vez existido, ou eu que escrevo, ou qualquer cousa onde quer que seja." 

in Páginas de Estética e de Teoria Literária

       Na imensa obra que os heterónimos produziram, a realidade construída, por ficcional que seja, é tão verdadeira quanto a das produções do ortónimo. As fronteiras da realidade / ficção são tão ténues quanto o ser criado poder ser mestre do próprio criador (que o diga Pessoa a propósito de Caeiro).
     Depois, há ainda que acrescentar o seguinte: os "perfis falsos" não foram quatro; foram inúmeros, mais de cem. Dos mais femininos (a corcunda Maria José, de "Carta da Corcunda ao Serralheiro") aos mais filosóficos (António Mora), bem como os desassossegados (como Vicente Guedes, um dos co-autores do Livro do Desassossego), não faltam o astrólogo e ocultista Raphael Baldaya ou o imaginário Chevalier de Pas (associado à fase de infância), para além do mais anglófono Alexander Search ou o irmão Charles James Search, entre muitos outros.

      Na cocoterie ou no drama em gente criados, Pessoa foi pessoa(s) suficiente(s) para dar conta da diversidade que todos somos na unidade que damos a ver.

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