segunda-feira, 14 de abril de 2025

Para que conste do que sou capaz

      Nunca um pensamento foi tão coincidente com a realidade.

      Foi o que me deu para concluir quando li a imagem que me fizeram chegar:

Se fosse tudo uma questão de capacidade...! (imagem colhida do Facebook)

      Fico-me entre o cómico (não sei se pelo inesperado se pelo despropósito) e o dramático (não sou só eu a pensar assim; até mais novos). 
   Ainda falta algum tempo no meu caso (isto se não for muito, caso decidam alterar a idade de "ingresso" para mais tarde).

       Quando comecei a minha vida profissional, a expectativa de então era a de já estar aposentado. Agora fico sentado...

segunda-feira, 7 de abril de 2025

Sem santos nem milagres na língua

    Não podia ser de outra forma, quando se repete o erro.

  Que dizer daquele algoritmo que vai comandando a nossa vida, ao clicar-se num produto / assunto / tema / apontamento, e tem um "agente inteligente" que não vê a ignorância perpetuada num convite que só pode ter uma resposta?!

Até pode ser o bom Portugal, mas, no que toca ao Português, vai muito mal (colhido do Facebook)

Além do país, adore-se também a língua, para que não seja incorretamente usada (colhido do Facebook)

Nem com Santo António isto lá vai! Não há santo que valha ao bom uso da língua (colhido do Facebook)

   Claro que não me sentaria - eis a resposta!
  Sentar-me-ia se houvesse a consciência de como fazer um convite corretamente. Não adianta  a referência a terras, a santos; a apresentação de carinhas larocas e comidinhas apetecíveis, de chorar por mais. Nada disso me convence. Está em causa o mau uso do português, que, no condicional ou no futuro, é mal falado ou escrito até por ministros.

E não é que insistem?! Mudam as caras e as iguarias, mas mantém-se o erro crasso (colhido do Facebook)

  O condicional pronominalizado tem, tipicamente, o pronome entre a base verbal e a sua terminação. "Sentar-te-ias" devia ser a forma a ler; não aquela que a inteligência artificial (AI) e um algoritmo infeliz não descobriram, ainda, para usar corretamente na fala e/ou na escrita. 

Nossa Senhora de Fátima nos acuda, nos salve da persistência declarada no erro (colhido do Facebook)

  Caso para dizer que não há ruralidade nem iguaria que resistam. 
  Futuro e condicional pronominalizados são deveras casos críticos da língua
  Nem com a AI isto vai lá!

    Triste daqueles que não veem nalguns registos da inteligência artificial, sublinhe-se, a artificialidade que só o espírito humano pode melhorar / corrigir / fazer vingar como virtuosa.

sábado, 5 de abril de 2025

Partilha do não desejado

      Há textos que não deviam ser escritos.

     Este é um deles. Eu, pelo menos, gostaria de não o ter feito, se tal significasse que não havia motivo para tal.
      Teve que ser lido:

O texto que ninguém quer escrever nem ler - https://carruagem23.blogspot.com/2025/04/partilha-do-nao-desejado.html 
(Foto VO)

     É sempre um momento de aperto no coração, de embargo na voz e que, na memória do vivido, traz a consciência de um tempo que prossegue sem a presença desejada, mas com o sinal do que o professor David Rodrigues define como "a grande provedora do tempo": a gratidão devida.
      É esta a vida (na qual subsiste a morte).

     Assim foi na Igreja Matriz de Espinho. À MCM. RIP. 

quarta-feira, 2 de abril de 2025

Variantes doces de provérbios

     Não consumindo açúcar, mas recriando provérbios.

     Do princípio ao fim do dia, vou colecionando pacotes de açúcar, à conta do número de cafés tomados. 
     Ultimamente, chegam às mãos (e aos olhos) provérbios que vou completando à medida da variação que o café inspira:
      
Pacotes de açúcar muito proverbiais com motivos sabendo a café (Foto VO)

      Não são os enunciados paremiológicos clássicos, é certo, mas a tradição também já não é o que era; logo, com rima ou sem rima, recriem-se os mesmos a partir do que a experiência de vida dita.

      No que toca à minha experiência, é menos açucarada; é mais cafeinada (já que não sou adepto do descafeinado).

sábado, 22 de março de 2025

Onze anos depois

     Regresso a Cabanas de Viriato e ao palacete, hoje museu, de Aristides Sousa Mendes.

   Já muito escrevi acerca de uma das personalidades mais relevantes da História de Portugal do século XX, internacionalmente reconhecida como um "Justo entre as Nações", mas que ainda muitos teimam ver apagada, na permanência de uma condição que a jornalista Diana Andringa apelidou de "O Cônsul Injustiçado".
   Volto ao tema, pela visita hoje levada a cabo à casa que vi já bem degradada e, presentemente, se dá a ver restaurada, acolhendo o Museu Aristides de Sousa Mendes. Não fossem os sinais interiores (denunciadores da injustiça, da perseguição, da miséria para que foi conduzido), dir-se-ia que, pelo exterior, um libertador do sofrimento e da desgraça está mais do que enaltecido. Não será nunca o caso.
    Guiados por um familiar seu, foram cerca de quarenta participantes a partilhar uma oportunidade de aproximação / identificação com uma causa que devia ser a de todos os homens: generosidade e grandeza de alma ao serviço do salvamento de povos ostracizados, conduzidos, por uns loucos despóticos do tempo, para um fim indigno.

Contrastes que o tempo produziu (montagem fotos VO)

   Muito trabalho foi já desenvolvido para um conhecimento mais efetivo do que representou, no seu tempo, este diplomata português, cujo desejo acabou por ser o de "ficar do lado de Deus contra os homens, em vez de ficar com os homens contra Deus". Num espírito de desobediência consciente, enfrentou e desafiou ordens expressas do ditador António de Oliveira Salazar (contrariando a famigerada Circular 14) e, durante três dias e três noites, concedeu milhares de vistos de entrada em Portugal, para refugiados de várias nacionalidades interessados em fugir de França e de outros países europeus (invadida pelo regime nazi). 
  Pagou caro por isso, e tal é comprovado de várias formas - uma delas, talvez a mais leve, por ter entregado um sobretudo (recentemente readquirido pela fundação para o museu) como forma de pagamento de uma despesa feita para poder alimentar a família.

Uma das salas do museu (primeiro andar) homenageando o Cônsul de Bordéus

   Num mundo que vivia e se digladiava com fortes armas, dizimando seres, Aristides Sousa Mendes empunhou um carimbo, para salvar milhares.

   Perante o vivido no museu e o restauro evidenciado no palacete, falta o passo de divulgação, de requalificação e de revalorização nacional merecidas de um dos seus maiores no período da Segunda Guerra Mundial; alguém que se interrogou sobre a vivência de um tempo tomado de desumanidade e loucura: "que mundo é este em que é preciso ser louco para fazer o que é certo?" Lembrá-lo será sempre pouco para o bem que fez.

domingo, 16 de março de 2025

200 anos de Camilo

     Não é estranha condição humana; é certeza de todos.

    Por barroco que seja o tópico da morte predita a partir do nascimento e da vida (como o sugere a rima do setecentista Francisco de Pina e Melo intitulada "A um berço com feitio de uma tumba"), o tema hoje é o nascimento de um oitocentista, um romântico, ainda que ilustrado com fotos da morte.
    Celebra-se o bicentenário do nascimento de Camilo Castelo Branco, esse escritor que, na intensidade da polémica, do sentimento e da escrita, levou ao limite e ao extremo a decisão do fim.
    Cumprido o desejo da sepultura no cemitério da Lapa, conforme testamentado numa das suas cartas a um amigo (João Freitas Fortuna, que detinha uma tipografia, onde algumas das obras camilianas foram impressas), a evidência dessa intenção satisfeita permanece ao olhar de todos, entre seis gavetões de sepulturas alinhadas num jazigo de família (que não a sua na vida, mas a escolhida na morte):

Um gavetão no cemitério mais romântico nacional tem os restos mortais de Camilo, 
junto de três outros suicidas (Foto VO)

     Em 15 de julho de 1889, na busca da cura para a cegueira, numa das muitas cartas que escritas pela mão de Ana Plácido a Freitas Fortuna, Camilo assume essa vontade:

    «Começo a experimentar uma espécie de affecto posthumo ao meu cadáver. Tão pouco me apreciei na vida, tão pouco cabedal fis da minha saúde, que já agora me quer parecer que este amor ao que nada vale é retribuição devida a esta matéria que me hade sobreviver alguns annos, aviventada pela engrenagem da putrefacção. Deste desejo extraordinario mas não excepcional, resultou dizer-lhe eu, meu querido amigo, quer fallando quer escrevendo, que aspirava fervorosamente ser sepultado no seu jazigo da Lapa. …. vontade que me domina há ano e meio… O meu querido Freitas acceitou com ternura fraternal a offerta do meu cadáver, e d’esta arte, permittindo que eu fizesse parte da sua família extincta, quis continuar alem da vida a tarefa sacratíssima da sua dedicação incomparável.»

      No dia seguinte à morte do autor de Amor de Perdição (1862), a 2 de junho de 1890, o Governador Civil de Braga autoriza que o cadáver seja transportado de S. Miguel de Seide para a Igreja da Lapa, no Porto. Aqui se encontra sepultado no cemitério privativo da Venerável Irmandade, no jazigo de família desse dedicado amigo, a quem por escrito recomendou «que nenhuma força ou consideração o demova de conservar-lhe as cinzas perpectuamente na sua Capella».

      Sirva este apontamento para falar da vida, celebrada, na arte, num cemitério, tomado como museu a céu aberto. Dê-se a prova de como não há Panteão, por merecido que seja, para acolher quem nele não quis permanecer.

sábado, 15 de março de 2025

Fim de 'A Obra ao Negro'

    Aquele momento em que terminas um romance que te acompanhou anos.

   Foram quase dez. Diria que foi um arrastar de tempo para a leitura quanto o foi para a génese do romance (a bem da verdade nem tanto, já que este ocupou mais de trinta anos de escrita - entre 1934 e 1968 -, segundo a autora).
    Por isso, entre as várias reflexões lidas, a que mais me chamou a atenção, pela oportunidade e pela identidade, foi aquela do protagonista Zenão, no final do seu percurso, a assumir, perante o seu mestre, que

  "O homem é uma empresa que tem contra si o tempo, a necessidade, a sorte, a imbecil e sempre crescente primazia do número (...) Os homens hão de matar o homem."

   Nunca nada tão pertinente e coincidente com os tempos hodiernos, apesar de a réplica ser de personagem antiga, feita de traços que, em muito, relembram o pensamento de Erasmo de Roterdão, Leonardo Da Vinci, Paracelso, Copérnico, Giordano Bruno - homens perseguidos que marcaram a Humanidade e que, desde o final da Idade Média até ao Renascimento, sublinharam um sentido de liberdade, de saber e de espírito crítico que só alguns outros, livres, isentos e descomprometidos do poder ou do lugar que ocupam, poderiam compreender.
    Num imaginário de ideal humanista, Zenão, um clérigo tornado filósofo, médico e alquimista, partilha muito do seu conhecimento num percurso de vida errante, com as suas atividades científicas, as suas publicações, bem como o seu espírito crítico a desafiarem o poder da Igreja. Sob nome falso, desenvolve o que o preconceito, o ocultismo e os poderes legitimados do tempo não permitiram. Nas conquistas que faz e no reconhecimento que tem, perde a possibilidade de prosseguir, por efeito colateral de um escândalo, a ponto de ser preso, julgado pela Inquisição e condenado à fogueira.
     Nas três partes da obra romanesca (A vida errante; A vida imóvel; A prisão), Marguerite Yourcenar constrói Zenão (Sebastião Théus) como homem curioso, inteligente; ser que procura, mas não pode apresentar a verdade que domina entre os seus contemporâneos; filósofo que assume a liberdade (se esta existir, quando alguém se encontra natural ou contextualmente condicionado) de decidir o momento e o local do fim (enquanto porta a abrir-se para a inconsciência, afastada dessa consciência marcada por ostracismos, injustiças e perseguições). 

     Segundo tratados alquímicos, A Obra ao Negro é expressão para a fase de separação e dissolução, que era, diz-se, a parte mais difícil da Grande Obra. Com o romance, resulta em título para também indiciar experiências audaciosas, encaradas por muitos como excessivas sobre a própria matéria, as provações do espírito quando o propósito é o de livrar o mundo de rotinas estéreis, de ideias feitas e repetidamente inúteis, com o intuito de se alcançar o bem comum.

sexta-feira, 14 de março de 2025

Inquietude(s) e conquista(s)

   Não sei bem por que razão te procuro.

    Talvez me lembres que, no meio de tanta agitação, és leito de vida original.
  Dás-me por certo mais sal do que o sorvido em pingos corridos na face, molhando lábios e boca.
   Porventura trazes a frescura e o som que busco no queimor e na desejada solidão.
   Acaso serás o que me anima, quando à volta, o sufoco atrai desânimo.
   Na(s) inquietude(s) vivida(s), és embalo apaziguador que me faz prosseguir.
   Recordo, então, o pensamento inspirador:

Um mar com nuvens e um horizonte a superar (porque há mais além da linha que só a visão limita)

      Podia tê-lo escrito, mas, como já alguém o fez, cumpriu-se o momento de o reviver junto à força das águas, mostrando que há ondas, marés no flutuar desta vida; há um nós multiplicado pelo eu, ele, outros que se juntam ao desejo.

     Rumemos com o sem-fim no horizonte, passar da orla branca ao azul do mar, soprando às nuvens do céu, para deixar o sol raiar.

segunda-feira, 3 de março de 2025

Assim não brinco!

       Quando está tudo preparado para...

       ... entrar na brincadeira e ter alguma diversão, eis que falha uma das regras:

Brincadeira nos seus primeiros sete passos (montagem fotográfica I, com agradecimento à PN)

Desafio dos passos finais, mais dois colocados por mim (montagem fotográfica II)

     Falo da regra da correção escrita, tanto no "*Encontras-te" (que devia estar sem hífen) como no "*autoculante" (que, numa sequência de formação de palavras, deveria sempre considerar, como base original, o que pode "colar"; ou seja, cola(r) > colante > autocolante).
        Apetece dizer: assim não brinco!

      ... ler dez vezes o mesmo erro! Como são dois erros constantes, chega-se a vinte. Removam já o autocolante do espaço público. Que brincadeira!

sábado, 1 de março de 2025

A cegueira dos trapos, dos retalhos (ou dos fatos)

     Depois do dia de ontem e do tema dos fatos no encontro Trump - Vance / Zelenksy, lembrei-me da "importância" dos trapos.

      Cerca de 470 anos depois, a leitura do Sermão de Santo António (produzido a 13 de junho de 1654, em S. Luís de Maranhão) ganha uma configuração contextual distinta, mantendo a atualidade do tema dos "trapos" (hoje diria, dos fatos) e de como estes "cegam" alguns homens (que mais parecem tubarões brancos ou tigres, bem irracionais para qualquer ser humano).
     Porque não usa um fato? - pergunta um jornalista próximo de uns vaidosos galhofeiros - com mania de poderosos -, enfatuado, numa postura tão doentia e viciosa quanto "cega" dos afins. Atirando areia para os olhos dos (tel)espectadores, procura fazer crer que no "trapo" está a diferença. Triste vaidade ou presunçosa autoridade que nem todos seguem. Ainda bem!
       Lembre-se o trecho vieirino, no capítulo IV (Repreensões em geral):
 
  "Toma um homem do mar um anzol, ata-lhe um pedaço de pano cortado e aberto em duas ou três pontas, lança-o por um cabo delgado até tocar na água, e em o vendo o peixe, arremete cego a ele e fica preso e boqueando, até que, assim suspenso no ar, ou lançado no convés, acaba de morrer. Pode haver maior ignorância e mais rematada cegueira que esta? Enganados por um retalho de pano, perder a vida? Dir-me-eis que o mesmo fazem os homens. Não vo-lo nego. Dá um exército batalha contra outro exército, metem-se os homens pelas pontas dos piques, dos chuços e das espadas, e porquê? Porque houve quem os engodou e lhes fez isca com dois retalhos de pano. A vaidade entre os vícios é o pescador mais astuto e que mais facilmente engana os homens. E que faz a vaidade? Põe por isca nas pontas desses piques, desses chuços e dessas espadas dois retalhos de pano, ou branco, que se chama Hábito de Malta, ou verde, que se chama de Avis, ou vermelho, que se chama de Cristo e de Santiago, e os homens por chegarem a passar esse retalho de pano ao peito, não reparam em tragar e engolir o ferro. E depois disso que sucede? O mesmo que a vós. O que engoliu o ferro, ou ali, ou noutra ocasião ficou morto; e os mesmos retalhos de pano tornaram outra vez ao anzol para pescar outros. Por este exemplo vos concedo, peixes, que os homens fazem o mesmo que vós, posto que me parece que não foi este o fundamento da vossa resposta ou escusa, porque cá no Maranhão, ainda que se derrame tanto sangue, não há exércitos, nem esta ambição de Hábitos.
     Mas nem por isso vos negarei que também cá se deixam pescar os homens pelo mesmo engano, menos honrada e mais ignorante-mente. Quem pesca as vidas a todos os homens do Maranhão, e com quê? Um homem do mar com uns retalhos de pano. Vem um Mestre de Navio de Portugal com quatro varreduras nas lojas, com quatro panos e quatro sedas, que já se lhe passou a era e não têm gasto; e que faz? Isca com aqueles trapos aos moradores da nossa terra: dá-lhes uma sacadela e dá-lhes outra, com que cada vez lhes sobe mais o preço; e os Bonitos, ou os que o querem parecer, todos esfaimados aos trapos, e ali ficam engasgados e presos, com dívidas de um ano para outro ano, e de uma safra para outra safra, e lá vai a vida. Isto não é encarecimento. Todos a trabalhar toda a vida, ou na roça, ou na cana, ou no engenho, ou no tabacal; e este trabalho de toda a vida, quem o leva? Não o levam os coches, nem as liteiras, nem os cavalos, nem os escudeiros, nem os pagens, nem os lacaios, nem as tapeçarias, nem as pinturas, nem as baixelas, nem as jóias; pois em que se vai e despende toda a vida? No triste farrapo com que saem à rua, e para isso se matam todo ano.
      Não é isto, meus peixes, grande loucura dos homens com que vos escusais? Claro está que sim; nem vós o podeis negar. Pois se é grande loucura esperdiçar a vida por dois retalhos de pano, quem tem obrigação de se vestir, vós, a quem Deus vestiu do pé até à cabeça, ou de peles de tão vistosas e apropriadas cores, ou de escamas prateadas e douradas, vestidos que nunca se rompem, nem gastam com o tempo, nem se variam ou podem variar com as modas; não é maior ignorância e maior cegueira deixardes-vos enganar ou deixardes-vos tomar pelo beiço com duas tirinhas de pano? Vede o vosso Santo António, que pouco o pôde enganar o mundo com essas vaidades. Sendo moço e nobre, deixou as galas de que aquela idade tanto se preza, trocou-as por uma loba de sarja e uma correia de Cónego Regrante, e depois que se viu assim vestido, parecendo-lhe que ainda era muito custosa aquela mortalha, trocou a sarja pelo burel e a correia pela corda. Com aquela corda e com aquele pano, pescou ele muitos, e só estes se não enganaram e foram sisudos."

       Não é um fato que põe fim à guerra nem a ausência dele a alimenta. Também não é um fato que faz de algum ser um senhor respeitável - alguns há que o vestem e não fazem jus nem à posição que têm nem à hombridade ou urbanidade que deveriam revelar enquanto seres humanos. Porém, há quem nele queira ver o mal do mundo.
    A inteligência humana não é forte, poderosa, quando encontra subterfúgios, estratagemas, ardis humilhantes (como os da retórica centrada em pedaços de pano, de um fato, ou de qualquer outra peça de roupa encarada como suposto sinal de seriedade, respeito ou dignidade).
     Felizmente, ainda há quem não se deixe iludir pelo "fato", pelo retalho de um tecido, que, na verdade, não passa de engodo; alguém que tem a determinação e a coragem de assumir uma indumentária que, no seu profundo simbolismo, diz mais do que a fatiota nas "negociatas" de uns vaidosos (Vieira diria "Bonitos", só ironicamente maiusculizados e/ou assim considerados) a impor acordos de minérios (tal qual o ferro do anzol, na matança de muitos peixes), em sala tão ovalada quanto a de ovo de serpente. Autênticos energúmenos.

      O visionário Padre António Vieira abordou metafórica e alegoricamente, num sermão, a corrupção da sociedade do seu tempo, muito dispersa por espaços intercontinentais; hoje persiste quem procure engodar, também na intercontinentalidade, a rendição de um país e de um povo recorrendo à necessidade de um fato, enquanto sinal de legitimidade e dignificação nos atos. Não sejam os "homens de fato", estes sim, a conduzir a humanidade para outra(s) guerra(s)!

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

Final do mês com espetáculo triste, indigno, revoltante

      Fevereiro não podia terminar na pior forma.

      Depois de assistir ao espetáculo televisivo oferecido na Sala Oval dos Estados Unidos da América, a trumpalhada é notória: suspeição, manipulação, humilhação, traição e descrédito completos por quem acusa uma vítima da maior das atrocidades. Se alguém é responsável por brincar com nova guerra mundial, não é necessariamente Volodymyr Zelensky.
       Neste dia, só me apetece registar que a Europa, pelo azul da bandeira e pelas estrelas amarelas, tem de se unir por um povo seu:

Bandeira da Ucrânia com o tridentado brasão nacional

     Saber que tudo começou há três anos é consciência de um mal, de um inferno que a humanidade tem vivido, nada podendo apagar a perda de vidas causada por quem procura defender-se de uma invasão ilegal. 
     O episódio televisivo indigno de hoje tem de sublinhar como uma monstruosa bicefalia vestida de fato procurou tragar, vender valores e princípios de um país e de um povo democráticos, em detrimento de um imperialismo autoritário e/ou de uma negociata de minérios que, felizmente, não foi concretizada.
     Pensar que os Estados Unidos da América têm origem numa constituição inspirada na procura, na busca da "Terra Prometida"; num "Go West" feito de aspiração, conquista, liberdade, felicidade e oportunidade! 
      Tudo começa a parecer uma miragem. Ou será já marca de um Puritanismo (re)mascarado de que os "Pilgrim Fathers" se quiseram afastar? 

     Talvez os portadores dos bonés "Make America Great Again" - frequentadores da Sala Oval, com / sem crianças ou criancices - necessitem de, primeiro de tudo, respeitar o lugar que ocupam e aqueles que recebem ou convidam para o seu território.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

Surpresa boa

      Na semana dos afetos e da empatia (Ubuntu).

     Um assistente abeira-se de mim e pede autorização para que uma jovem venha ao meu encontro e possa entregar-me uma prenda. Entre o desconcerto, a surpresa, o insólito, digo sim, apesar da sensação de estranheza instalada.
     O encontro acontece, a explicação surge: a semana dos afetos, da empatia (Ubuntu) no agrupamento. Cumpre-se a oferta: um texto manual e uma manualidade feita na base de um poema que nos liga.
      Apenas consegui ficar preso à palavra da gratidão, ao abraço que substantivou o apreço e o afeto do momento e do gesto.

Dois textos... com Camões à mistura (montagem de fotos VO)
     
   Quando alguém inesperadamente se lembra de nós fica aquele sentimento indefinido que nos faz perguntar "O que é que eu fiz?", "Que gesto tive?", "Que palavra disse?", "Que olhar correu sem que visse o que foi criado?"
     Na roda viva do dia-a-dia, arrastado que sou por uma torrente que me vai desgastando / tirando sono, saúde e tranquilidade; que me faz por vezes mostrar aquilo de que não gosto, há vida e momentos de felicidade que (ainda e) até fazem acreditar que devo andar a fazer qualquer coisa que mereça o que de bom recebo.

    Resta a gratidão, pelo conforto, pelo afeto e pela consideração de quem (ainda) me faz seguir em frente. O 10 de junho fica na memória por um outro sinal. Muito obrigado, LS e quem nos fez aproximar.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

Mensagem do patrono

      A semana da excelência académica e do mérito desportivo.

   O agrupamento começou hoje a viver o reconhecimento público dos que, no ano letivo anterior, revelaram sucesso(s) no percurso e no desempenho escolar, com mente sã em corpo são (totalidade e valores clássicos; por isso, também perenes).
   Em tempos de endeusamento da Inteligência Artificial, é a oportunidade de destacar a Inteligência Humana, que, na devida escala, se revela determinante para a formação integral humana, a avaliação e o sentido críticos, o aprimoramento no tratamento da informação, a opção e a tomada de decisão consistentes e fundamentadas, bem distintas de imediatismos, facilitismos e verdades populistas, frequentemente coladas à ilusão e à falsidade.
     Há cento e vinte anos, o patrono afirmava:

Laranjeira nas sessões de entrega de diplomas de Excelência Académica e Mérito Desportivo 

      Espírito e coração: intelecto e emoção - uma outra totalidade que, na complementaridade dos termos, não deixa de incluir, considerar o diverso, atentar no afeto, num "sinto, logo existo" (que António Damásio reformulou, face a um "Penso, logo existo" cartesiano).
     No regresso ao coração, à emoção, ao afeto, ao reconhecimento, cruza-se o ser com a gratidão. E muitos há a agradecer, na prova de que o caminho se faz caminhando e não sozinho. Premiados os alunos, assim se (re)vejam os Encarregados de Educação, os Professores, os Assistentes - uma comunidade empenhada em sucesso(s), alguns dos quais de qualidade.
       Em plena semana dos afetos, e no espírito Ubuntu que inspira saberes e gestos, cruze-se o momento com o que também dignifica a existência: saber, sentir, elogiar, aplaudir, agradecer.

     Assim (também) se revive o pensamento do patrono, mais de um século depois do que (nos) deixou escrito.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

Ainda Camões, pelos 500 anos

      A propósito de uma das pérolas televisivas que ainda se encontra na RTP3: Visita Guiada.

      Refiro-me ao programa de Paula Moura Pinheiro (temporada 14, episódio 14), que se debruçou sobre a coleção do último rei português (D. Manuel II), dedicada à obra camoniana e depositada em Vila Viçosa. Caso para dizer, Portugal herdou uma obra do desventurado rei, que se viu exilado da pátria com a deposição da monarquia e a implantação do regime republicano.
      A morte precoce do monarca em 1932 (42 anos) não permitiu concluir o projeto de estudo e pesquisa dos textos de Camões, numa linha de recolha das edições diversas de Os Lusíadas e das Rimas, ao longo dos séculos. Se nos finais do século XIX haviam sido inúmeras e grandiosas as celebrações nacionais d' "O Poeta" (na continuidade de uma consagração que já vinha do século XVI), o vigésimo não o seria menos na contínua afirmação de um escritor que se tornou símbolo de pátria, de língua, de cultura, de lusofonia (assim o prefigura o feriado do 10 de junho).
    Num apontamento do programa televisivo, a Professora Doutora Isabel Almeida partilhou com a apresentadora o facto de não se conhecer um manuscrito, a caligrafia, uma assinatura de Camões. O estádio de formação da escrita autógrafa é um mistério no que ao príncipe dos poetas português diz respeito. Daí a questão da importância da fixação de texto, do confronto das versões múltiplas com que a literatura tem vindo a trabalhar; daí a diversidade editorial que enriquece e se multiplica na difusão e divulgação poéticas; daí a própria dificuldade de ter certezas sobre o que o poeta escreveu, numa dispersão que se compagina ora com a tradição oral ora com a da cópia manuscrita (não assinada) em coletâneas.
    Investigações diversas apontam para a atribuição indevida de alguns sonetos ao nosso poeta universal. "A fermosura desta fresca serra" é um dos exemplos, com alguns estudiosos a assumirem uma autoria distinta: a do poeta D. Manuel de Portugal, contemporâneo de Camões.

Um poeta sem boca, pelo que (não) cantou?! Melhor sorte tivera!
(moeda comemorativa dos 500 anos de Camões, por José Aurélio)
A fermosura desta fresca serra,
e a sombra dos verdes castanheiros,
o manso caminhar destes ribeiros,
donde toda a tristeza se desterra;

o rouco som do mar, a estranha terra,
o esconder do sol pelos outeiros,
o recolher dos gados derradeiros,
das nuvens pelo ar a branda guerra;

enfim, tudo o que a rara natureza
com tanta variedade nos oferece,
me está (se não te vejo) magoando.

Sem ti, tudo me enoja e me aborrece;
sem ti, perpetuamente estou passando
nas mores alegrias, mor tristeza.

    Sempre questionei muita coisa acerca deste soneto, nomeadamente a sua inserção em linhas de leitura que o perspetivam no seio dos poemas que representam a figura da mulher amada e da sua presença / ausência como condição para a inspiração do poeta. O anafórico final "Sem ti", frequentemente apontado como tópico de ausência da mulher amada, sempre entendi como mais coincidente com a leitura da ausência da pátria - desse "locus" personificado e reconfigurado em tantas referências de elementos naturais, ambientais (que, distantes / ausentes, têm seus efeitos adversos no eu lírico) - do que a de qualquer figura feminina que pudesse ser mais ou menos inspiradora. Agora, o soneto não ser de Camões é apontamento forte, para um texto que o próprio escritor teve como razão maior para ser poeta; para versos tradutores de uma necessidade que a ausência não permite.

      Estudos de Leodegário Azevedo Filho reconhecem, num crivo de critérios filológicos muito rigoroso, a redução substancial de textos produzidos por Luís de Camões (em número inferior a cem poemas). E se "Amor é fogo que arde sem se ver" for mais um a não figurar entre eles? Talvez não seja grande o mal, pensando que a lírica quinhentista fez conviver grandes poetas que se confundiram, espelharam, citaram, imitaram nos modelos (intertextuais) que adotaram.

domingo, 9 de fevereiro de 2025

Tudo por causa de um saco

    Tempos houve em que reflexão análoga poderia ser sobre os jornais.

    Diários, vespertinos, semanais ou de outra periodicidade, muitos, depois de lidos, acabavam no lixo, mais ou menos imediatamente após reutilização (enquanto papel de embrulho, por exemplo, para não falar do envolvimento do tacho de comida nos piqueniques).
     Hoje, o tópico tem mais a ver com sacos. 
    Sempre que se vai às compras, depois do carrego dos sacos e da arrumação dos bens adquiridos, lá se colocam os ditos num maior, à espera de se lhes dar (novo) futuro.
     Com a festa de ontem, acabei por estar a arrumar sacos: uns para depositar lixo, outros para prendas a dar, alguns para reservar ou mesmo preservar. Entre estes últimos, estão os mais singulares; pode até dizer-se os mais bonitos, para não falar dos mais cultos.
    Sim, há sacos muito cultos. Basta ir à livraria Bertrand, comprar uns livros e... vem logo a vontade de regressar a casa com um saco distinto:

Sem puxar o saco à Bertrand, a venda deste saco é muito apelativa (Foto VO)

     Tenho um alusivo a Pessoa, com versos, pensamentos e imagens que nos fazem admirar a escrita... e o saco.

      Não foi tempo de colocar a viola ao saco, nem de deixar cair o tema em saco roto. Espero não ter enchido o saco ao leitor, mas hoje deu-me para isto - trivialidades -, por ter recebido uma prenda num saco de que gostei.

sábado, 8 de fevereiro de 2025

Action! Take 59.

     Foi cá um filme...
    
     Com família, amigos, risadas, comida e bebida, muitas memórias (e, claro, muita escola, como não podia deixar de ser).

   Nem ao 59 take aprendo! Já devia ter juízo (Foto VO)

Com eles vivo, fico e estarei. Obrigado, "amigos ilustres" (Foto VO)

   Foi muito bom ver que a mesa, apesar de grande, não chegava para os sentar. O que vale é que há muito espaço para os acolher. No coração, inclusive.
     Não foi em Hollywood, mas foi "holly" sem "wood".
    Chegou a hora da claquete, do fogo que não foi de artifício, da distribuição dos "comes sem bebes" pelos tupperwares, dos sacos e dos telemóveis que ficavam pelo caminho.
     Foi a um sábado, mas não "Saturday Night Fever"; mais um "Saturday Friendship Party".

   Lá se chegou ao último ano do cinquentão. No próximo, se lá chegar, vou dizer a mim mesmo "se(s)SENTA", que já fizeste muito.

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

Olhando para os astros

    No âmbito do Projeto Ciência Viva do Agrupamento de Escolas Dr. Manuel Laranjeira (AEML), realizou-se uma sessão de observação astronómica.

      Pelas 21 horas, apareceram os resistentes à tentação de ficar no acolhimento do lar ou de ficar a ver um mais do que anunciado e disputado jogo de futebol, intitulado 'derby' para os mais aficionados.
     Preparados para um Plano B (apresentação e conversa no Auditório Maria Ricardo), eis que a chuva não caiu. Sempre se podia avançar para olhar o céu noturno, apesar da densidade de algumas nuvens. Com o seu apontador luminoso, a professora Carla Pereira foi guiando os presentes para a observação da Lua, de alguns planetas, bem como de constelações de Inverno, todos captados a olho nu.

Cartaz de divulgação da atividade (com um 'se' que, felizmente, não deu lugar a concretização)

      As condições atmosféricas, não sendo as mais favoráveis, ainda permitiram a instalação do telescópio no espaço exterior da escola, entre os pavilhões B e C, para que todos conseguissem vislumbrar - no meio de copas de árvores, dos prédios circundantes e dos vazios nebulosos que foram surgindo - Orion (o cinturão composto por três estrelas alinhadas), Touro (a brilhante estrela Aldebarã) e Gémeos (as estrelas gémeas Castor e Pólux), entre outros.

Montagem com vários apontamentos fotográficos da sessão de observação astronómica noturna (Fotos VO)

      O céu não estava limpo, o local era escuro o suficiente e foi-se além do equipamento básico, com professores, assistentes, pais e alunos a ajudarem na montagem do dispositivo que permitia "ver mais longe". Juntos, em comunidade, viveu-se uma noite muito apreciável. Contrariamente à famosa letra de canção,  houve estrelas no céu a dourar o caminho e ninguém se sentiu sozinho. 

     Caso para dizer que estrelas e planetas se ordenaram, harmonizaram para que, cá na terra, muitos alinhassem na aventura de observar os corpos celestes.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

Mulher de "invenção"

     Porque, além da epistolografia e da narrativa, também em poesia escrevia.

   No tempo em que andava pela aventura da autoria de manuais escolares, considerava-a, enquanto escritora viva, entre os poetas contemporâneos a ler por alunos(as) do ensino secundário:

Só de amor (1999) - assim se intitulava uma obra no fim do século XX (Foto VO)

      Com a notícia da morte de um percurso de vida inspirador (1937-2025) de uma das responsáveis pelas Novas Cartas Portuguesas (1972), diz-se que se perdeu uma das maiores da literatura portuguesa atual. Sim, é. Continuará a ser, pelo exemplo feminino que foi; pela obra que nos lega; pelo reconhecimento que poderá ser maior (assim a queiram dar a conhecer, a ler):

Um exemplo poético a "rasgar" perceções

     Mulher de liberdade, de amor, de invenção, de contestação e luta contra despotismos de qualquer natureza. Uma das três Marias, uma Minha Senhora de Mim (para citar um dos seus títulos de 1971) ou um' A Desobediente (como a sua biógrafa Patrícia Reis a apelidou) a marcar a sociedade e o pensamento de um tempo à espera da (r)evolução, na esperança dos olhos verdes com que nos viu.

Nada mais de mim
haverá memória
- sei -
só os poemas darão conta
da minha avidez
da minha passagem
Da minha limpidez
sem vassalagem

      Bem podiam ser as palavras de um epitáfio para uma irreverente que encontrou na poesia a voz da (r)evolução. RIP.

sábado, 1 de fevereiro de 2025

Conselho de futuro

      A abrir o mês, fica a previsão e o conselho de futuro.

      Não se pode dizer que não faça sentido entre o inicialmente constatado (anunciado?) e o conselho respondido:

Interações que só o tempo (verbal) denuncia e a pragmática admite (retirado do Facebook)

      A ironia da coerência interativa é evidente: quem constatou queria passado e fez deste futuro; quem respondeu pôs-se na posição de quem, humoristicamente, ainda vai a tempo de remendar o que já não tinha remédio.

    Isto de confundir, na escrita, pretérito (com terminação em 'ram') com futuro (em 'rão') só merece uma boa gargalhada (apesar de haver quem chore) e um aviso sério: estude!

terça-feira, 21 de janeiro de 2025

Caminhada com / para todos

     Faz-se com passos, momentos, espaços, valores, pessoas e diálogo.

     O Agrupamento de Escolas Dr. Manuel Laranjeira teve a honra de, neste dia, entre as nove e as onze horas, contar com a presença do reverendíssimo Bispo Auxiliar da Diocese do Porto, D. Roberto Mariz, acompanhado pelo pároco de S. Martinho de Anta, Sr. Padre Sérgio Leal, bem como o Presidente da Junta de Anta-Guetim, Nuno Almeida, numa visita à escola-sede.
     A receção feita por um grupo de alunos que abriu o evento com cartazes onde se liam palavras como "Paz", "Amor", "Sabedoria", "Solidariedade", "Amizade", "União", "Liberdade" em várias línguas traduzia, desde logo, a aproximação a valores transversais à humanidade, independentemente de cor, credo ou cultura. Um pouco na linha do pensamento do misticismo laico de Manuel Laranjeira, evocou-se esse alicerce de afetos, essa "nave de uma catedral infinita, após um acordo afectuoso, final, [com] todos esses seres que a engrenagem social fez inimigos irredutíveis: reis, imperadores, plebeus, vadios, criminosos, fartos, famintos, vencidos, vencedores, esmagados, todos, os homens todos, a Humanidade inteira - a vida inteira.” (in Obras de Manuel Laranjeira, vol. II, Porto, Edições ASA, 1993)Ecoaram as palavras desse alguém que, sublinhando a presença e a integração de "todos, todos, todos", convocou um espírito universal(izante) de irmandade, proximidade, empatia, afetos - ingredientes para essa utopia de felicidade num mundo de e entre iguais.
     Da entrada ao átrio interior, a música, a dança, a poesia dos textos e dos pensamentos, a árvore dos afetos e da gratidão, o canto, a dádiva e a oferenda constituíram momentos em que muitos ofereceram o que de melhor têm. A caminhada culminou no Auditório Maria Ricardo, repleto de jovens com vontade de encontrar, (re)ver, ouvir quem se predispunha a dialogar, refletir, partilhar pensamentos, testemunhos, experiências, percursos de vida, sublinhando valores fundamentais ao esforço, à aprendizagem, à aproximação e à união de todos os que se cruzam, também, em instituições sociais, humanas e humanistas.

Manifestação dos valores ecuménicos em vários idiomas (Foto VO)

Visita Pastoral do Reverendíssimo Bispo Auxiliar da Diocese do Porto, Sr. D. Roberto Mariz, no AEML

   A abertura à crítica, ao que nem sempre corre bem, aos desvios que requerem correção complementou-se com o espírito festivo do "parabéns a você" de um aniversariante; o ânimo, a animação, a alma de um encontro que torna o dia diferente fizeram ganhar expressões de felicidade no rosto e nos gestos (bem como na procura da 'selfie' que, para alguns, sempre marca o momento); a alegria de estar com alguém que comunicou, comungou (sor)risos, saudações, bem-estar, familiaridade, naturalidade, simpatia, trato afável, satisfação e, acima de tudo, gratidão foi o reconhecimento maior para os que muito deram e tanto fez receber. 
    Ficou a mensagem de que, com tanta movimentação, em múltiplos sentidos, há sempre a oportunidade de cruzar o olhar e encontrar o outro para cuidar.

    Há homens que têm o dom de nos aproximar do bem, do exemplo, da mensagem ecuménica que inspira e ilumina a vida. D. Roberto Mariz é um deles, como a comunidade educativa que o acompanhou o pôde comprovar. A todos os que muito contribuíram para a planificação, organização e concretização da "caminhada", impõe-se o agradecimento pelo bem que souberam construir. Nas palavras de José Tolentino de Mendonça, "Compreender que a esperança floresce no instante é experimentar o perfume do eterno."

segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

Uma lição de contemporaneidade, intemporalidade e universalidade

     Pelos 500 anos de Camões - com engenho e arte.
   
   Ainda que um dos anos de referência seja o do já concluído 2024, o recentemente iniciado 2025 não se encontra fora de contas, ou tempo, para o quingentésimo aniversário do nascimento de Camões.
    Com a presença simpática, sapiente e generosa do Professor José Augusto Cardoso Bernardes (comissário-geral para as Comemorações do V Centenário do Nascimento de Luís de Camões), os alunos do 11º ano do Agrupamento de Escolas Dr. Manuel Laranjeira (AEML) tiveram o privilégio de receber uma Lição (intencionalmente maiusculizada, pelo orador e pela qualidade dos "sinais de vida" transmitidos), a propósito de um dos três maiores da literatura universal (a par do grego Homero e do romano Virgílio).
    No muito de lendário e mítico - numa espécie de "nada que é tudo" - que a biografia do quinhentista luso possa ter, a data e a localidade de nascimento são ainda objeto de discussão entre estudiosos. Suposições, conjeturas, portanto. O mesmo não se dirá já da morte, nesse 10 de junho de 1580, factual e explicitamente confirmado em documento conservado na Torre do Tombo, garantindo à mãe a tença atribuída por D. Sebastião; tornado feriado nacional, inicialmente, em honra de um poeta; hoje identificado como Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas.
    Quanto à obra, da muita que nos chegou, importa lembrar que, há meio milénio, esta circulava oralmente, perante uma imprensa que já tinha sido inventada entre 1439-1450 e cuja evolução era bem mais lenta do que a atualmente verificada com qualquer progresso tecnológico. A fixação de texto era débil, mediante a realidade do objeto livro que, no século XVI, não deixava de ser um tesouro, apenas acessível a poucos e da propriedade de muitíssimos menos. A autoria mantinha-se bastante discutível, mediante a apropriação e a atribuição de versos que eram cantados, oralizados, repetidos de corte em corte e pertenciam a um anonimato (des)interessado comummente designado de "tradição oral / popular". Sabe-se que Camões viu publicada a epopeia Os Lusíadas em 1572; são póstumas as edições das Rimas, numa identificação de poemas que, nalguns casos, permanecem dúbios quanto à composição autoral, face a critérios filológicos mais rigorosos.
      Camões falou com um rei, dedicando-lhe uma epopeia e ousando formá-lo e avisá-lo dos perigos que os galgos (cavaleiros) poderiam representar, numa recriação do mito de Actéon (com o caçador a ser caçado); produziu obra que, entre a euforia e a visão crítica, se tornou reconhecida, desde o início até à atualidade. Mesmo para quem, como Fernando Pessoa, se designou "Supra-Camões", o épico quinhentista não deixava de, no início do século XX e com o Modernismo, estar situado num patamar maior, de referência. 
      Nas palavras do especialista convidado - professor catedrático e reconhecido camonista (para além do estudo que desenvolve com outros autores dos séculos XV e XVI da literatura portuguesa) -, Camões está vivo: enquanto ícone cultural, agregador e marca de identidade / pertença, na linguagem e nos códigos institucionais diplomáticos nas relações entre países; enquanto exemplo de contínua edição, ao longo de séculos e regimes, com tradução em diferentes línguas (e, desde logo, o português, certificado no século XVI, por critérios estéticos, como língua adulta, pois, à semelhança dos clássicos, admitia produção de uma epopeia); enquanto tópico escolar (desde a edição comentada dos Piscos, em 1584); enquanto transmissor de valores, numa pedagogia e formação de leitores, que, em meio milénio, acederam - nos versos partilhados, nos episódios narrados, nas reflexões produzidas (e as que atravessam Os Lusíadas são impregnadas de valores em que humanismo, humanidade, consciência de mundo e consciência da fragilidade da condição humana são ingredientes para a universalidade e intemporalidade do poeta) - aos tópicos da mudança, da diferença, do (des)amor, da (in)justiça, do infortúnio (que a Fortuna, por vezes, deixa durar demasiado), do esforço, do poder material / espiritual, da (des)ilusão, do verdadeiro valor da glória, dos deuses e dos heróis... da viagem que a vida é. 
     
     A iniciativa, levada a cabo pelas professoras bibliotecárias e pelos docentes de Português do AEML, não deixou de ter o contributo de alunos, que partilharam leituras de vários poemas: de Camões e de autores que, na passagem dos séculos, o versaram, citaram, recriaram (Bocage,  Sophia, Torga, Nuno Júdice, Adília Lopes, Manuel Bandeira). Outras provas de vida, dignas de celebração. Nada como terminar esta última, num convívio à mesa, numa refeição confecionada pelos formadores e formandos do Curso Profissional de Restaurante-Bar e condimentada pelas especiarias de um tempo bem (re)vivido.

domingo, 12 de janeiro de 2025

Cruzamentos artísticos de metal e mar

     Pensa-se, dá-se a entender e...

    O objetivo passa por cruzar tradições e a expressão artística de localidades que, apesar de distintas, passam a ter algo que as aproxima:

Barca de Arte Xávega em filigrana ou a interlocalidade artística do metal em mar (Foto VO)

     Enquanto sistema de pesca artesanal caracterizado por possuir um aparelho ou rede lançados pelo barco (grande) de mar, a arte xávega ganha expressão / designação por esta mesma rede que carateriza a técnica piscatória de cerco, junto à costa, trazendo a terra o peixe capturado. 
     Se juntarmos a esta arte, o trabalho intrincado de pormenores da filigrana em prata / ouro, a ideia resulta numa bela peça de joelharia, com o apurado rendilhado do metal a sugerir o espiralado remoinho e o ondeado marinho.
      E, assim, se ligam tradições: as de Espinho com as de Gondomar. Porque o mar também se alimenta do rio.

    Pode não ser o coração de ouro da Sharon Stone, mas a barca em prata tem todos os ingredientes que um ourives gondomarense, na sua banca, conseguiu embelezar, inspirando-se no duro trabalho do mar.

sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

Lei da falta de atração

      A ocorrência de erros televisivos está a mudar (o que não significa necessariamente felicidade).

   Em termos estatísticos, pode concluir-se que a maioria dos erros lidos nas legendas ou nos rodapés televisivos está para questões de desrespeito da ortografia, de impropriedade na seleção vocabular / lexical ou de incorreção morfológica.
  Não deixa de aparecer um ou outro caso distinto, nomeadamente no que à falha sintática diz respeito, particularmente na concordância de número. Hoje deparo com um outro:

No seio dos aproveitadores, há quem aproveite muito mal na SIC Notícias (Foto VO).

     É a declarada falta de atração.
    É comum assumir-se que a presença de um 'não' ou de um 'que' faz com que os elementos clíticos colocados junto a um verbo sejam atraídos, a ponto de os antecipar na construção da frase (ex.: 'Estuda-se' vs 'Não se estuda' / 'Faz-se algo' vs 'Diz-se que se faz algo').
   Ora, quando tal não acontece (como exemplificado na foto), viola-se definitivamente a correção no uso do português (variedade continental europeia), o que significa que seria bom os comunicadores sociais ou quem trabalha nessa área consultarem uma gramática. Não faria arrepiar tanto os leitores das legendas ou dos rodapés.

     Falha a atração, deforma-se a construção, distrai-se a intenção e compromete-se a comunicação.

sábado, 4 de janeiro de 2025

Um filme, um ator e uma mensagem fantásticos

      Percebe-se por que motivo é considerado um dos dez mais do ano (passado).

     Na linha dos filmes de espírito detetivesco, Conclave (2024), dirigido por Edward Berger e baseado num romance de Robert Harris (2016), revela-se uma película a descobrir praticamente até final da sessão. Do mistério inicial, a resolver, ao insólito final, convergente com vários sinais da película a lembrar o mito do eterno feminino no seio da igreja, há todo um enredo feito dos ingredientes da corrupção, do jogo de interesses e dos segredos na cúria papal, num contexto relacionado com a morte de um Papa e a consequente seclusão do colégio de cardeais para a eleição de um outro.
  Num micro-universo constituído essencialmente por homens poderosos, muitos são os sinais de como a presença feminina também funda o enredo, a resolução e o final da história, numa afirmação de que os "olhos" e os "ouvidos" discretos de quem não deixa de ser e estar presente são essenciais ao desenrolar de tudo.
    No papel do decano responsável pela organização do conclave, a personagem Thomas Lawrence (interpretada por um mais do que oscarizável Ralph Fiennes) enfrenta um jogo de forças que converge para um núcleo de ação, cruzando a função de uma alta instância supervisora do Vaticano; de um homem que assume a responsabilidade dos seus atos, mesmo quando não se vê talhado para tal; de pessoa marcada por desequilíbrios, dúvidas e incertezas e nisso vê a fonte e a força do próprio mistério divino e da própria fé. Entre candidatos mais moderados e outros mais fundamentalistas e tradicionais, move-se este peão apontado pelos seus pares também como potencial ocupante do trono de Pedro (na sequência da responsabilidade, da firmeza, do rigor e da confiança de atuação, a par das palavras que, numa das suas homilias, encorajam o colégio a abraçar a dúvida e a incerteza, e portanto, o traço de uma igreja humana, que muitos querem apagar em favor de uma força e de um poder muito questionáveis).

Filme protagonizado por Ralph Fiennes e dirigido por Edward Berger - Conclave (2024)

      A progressão dos atos eletivos até ao aparecimento do fumo branco, prenunciado pela imagem de um consenso sugerido pelos guarda-chuvas brancos dos cardeais que caminham para a decisão final, não tem na escolha do novo Papa Inocêncio (XIII, se não fosse ficção, protagonizado por Carlos Diehz, como cardeal Benitez) o seu fim. Há mais uma revelação derradeira a fazer: a que volta a colocar, por um lado, a afirmação do eterno feminino no seio da igreja e, por outro, citando Inocêncio, a aceitação da diferença, da tolerância, do conhecimento do vivido e do experienciado como fonte de autoridade e de confiança. O discurso do novo Papa, ainda antes de o ser, é revelador de como a guerra não pode ser alimentada com mais guerra; o ódio não pode gerar novos e mais ódios. A sua verdade, partilhada com o Decano, é a simplicidade de uma afirmação que faz todo o sentido da aceitação: "Eu sou tal como Deus me fez", com o sabido, o conhecido, o vivido, o desconhecido, os feitos e os defeitos (se o são!) e tudo o que não caiba nos cânones de uma igreja que, por vezes, se afastou da humanidade.

      A cena final do Decano a colocar a tartaruga no local natural subentende a mensagem da escolha certa no lugar certo - mesmo quando de um Papa diferente se trata (no que é, no que se dá a ver, no que tem e no que se identifica), para lá de qualquer binarismo de género a que o humano tende limitativamente a reduzir perante uma natureza tão diversa.