sábado, 20 de outubro de 2012

Coerência, depois da coesão.

      Na sequência de um apontamento anterior sobre a coesão (motivada por uma fotografia), vem um outro sobre a coerência (com nova foto).

       Se a coesão se demonstrou pela (questionada) união de muitos, a coerência surgiu (interrogada) na existência do que está por combinar - nova foto o evidencia, na cor que uma hidrângea ou hortênsia deixou vingar, contra muitas outras que no violeta quiseram ficar.
(Foto retirada do blog 'Mariana')

      Diz-se que a variedade da cor tem a ver com a acidez do solo, mas uma esponja de aço, um caco de telha ou pedra, algum calcário podem trazer surpresas. E assim se faz a coerência.
      No seio do verde natural, a altivez cerúlea podia justificar-se pela aproximação ao céu, claro, luzidio - no jogo que a imagem / texto assumiria, os quadros de conhecimento, de referência tomariam as rédeas para que a singularidade se revisse no todo.
    A coerência faz-se, assim, de muitas cores na conectividade e/ou interdependência de um quadro semântico. O certo é que um só sinal, uma só pista podem constituir a entrada de que o interpretante necessita para configurar a unidade textual lógico-conceptual proposta.
           Lido o poema seguinte...
Fernando Assis Pacheco (1937-1995)
Os militados
muito aprumares
sobem aos ados
despedaçares

sobem aos ados
muito alinhares
já sem vagados
despedaçares

longe nos lados
desapontares
«cabrões de azados»
cantam os fares

aos céus aos pados
lá vão formares
os militados
coitares coitares

       ... reconhece-se que A Musa Irregular, de Fernando Assis Pacheco (1991), desafia a lógica interpretativa. Deslocadas as sílabas finais do segundo verso (que deviam estar no final do primeiro), bem como as do primeiro (a estar no segundo), e assim sucessivamente, retoma-se a inteligibilidade do texto. Se inicialmente parecem desversos, no final entende-se que o poema tenha resultado de uma "explosão", de uma "mina" que, no plano da intencionalidade reflexiva dos efeitos da guerra, motivou uma outra organização do texto.
     Qual hidrângea singular, qual desverso a recompor, a coerência pode rever-se numa irregularidade, numa estranheza que interessa poder explicar.

        Em suma, uma foto bem escolhida para exemplificar uma propriedade não exclusiva do texto (por nele se combinarem muitas mais), mas do jogo de um mundo a todo o tempo criado e recriado, com sentido, segundo uma lógica de compatibilidade com múltiplos saberes do mundo e um fio condutor permissível ao esforço daquele que interpreta.

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