domingo, 20 de janeiro de 2013

Entre um número e um nome há a crença

     Acreditar é força que anima o ser e o faz libertar da condição de miserável.

     Les Misérables (1862), de Victor Hugo, é obra romanesca de renome e reconhecido valor romântico; "Les Misérables" (2012),  de Tom Hopper, é filme-musical que faz jus à narrativa em cinco volumes, explorando a rede de coincidências e o cruzamento de personagens que marcam e contribuem para a construção do percurso da personagem Jean Valjean.
     Do prisioneiro 24601 ao "pai" de Cosette e salvador de Marius, há um caminho feito de conflitos, lutas, perseguições e rebeliões em que a oportunidade, a crença na dignidade humana e o reconhecimento de que se pode mudar um destino sublinham o sentido potenciador da liberdade (contrariando um "Look Down", inicialmente cantado, em jeito de injustiça e de grito entre o suplicante e o determinista). Saiba disto o Homem e tem aí uma razão, se outra não houver, para se agarrar à vida, mesmo quando esta se mostra adversa à própria condição humana.
    Um passado persecutório (Jean Valjean), um destino imutável (Fantine) e a aspiração por um novo dia (Cosette e Marius) são as linhas, as forças de um tempo que une toda uma intriga feita, cinematograficamente, de vozes e músicas que o espectador reconhece, com as quais se emociona e também se espanta, vendo a cantar quem não faz da música carreira - é o caso de atores e atrizes como Hugh Jackman (Jean Valjean), Russel Crowe (oficial Javert), Eddie Redmayne (Marius), Anne Hathaway (Fantine), Amanda Seyfried (Cosette), Samantha Barks (Éponine) e Helena Bonham Carter (Madame Thénardier).


     O sentido maior prende-se, contudo, e sempre (porque repetível), com a história do Homem e como este pode fazer melhor na (sua) vida, tomando-a como momento em que seja possível contornar o que de mais infernal, vingativo e interesseiro há no mundo; como oportunidade para mudar no sentido da felicidade, libertando o ser humano do que mais desagradável, sofrido e injusto tem; como passagem na qual se recebe o que se semeou; como instante que também redime, liberta e encara o possível como mais perfeito do que o vivido.
      Ouça-se "Do you hear the people sing?"... e a mudança pode acontecer - quase como um "felizmente há luar!".
     
      Disto se compõem os heróis e os vilões (também Javert cede à força que Valjean representa - ainda que dominado por um orgulho e uma vergonha fatais -, inclusivamente os que têm de mais cómico e de sobrevivente - de que o casal Thénardier é exemplo) - razão para um épico, candidato a óscar(es). Contudo, há outros miseráveis cuja epopeia da vida é bem mais dolorosa e sem direito a simples tapete vermelho.

6 comentários:

  1. Caríssimo,
    Queria aqui prestar uma singela homenagem a este filme, que me encheu os olhos de várias formas! O espanto foi uma delas.

    Desconhecia que estes atores cantavam tão bem, o que foi para mim uma agradável surpresa! Não me cansei de os ver cantar e encantar, variando os registos: do mais intimista ao mesmo arrebatado.

    Este Les Misérables é um hino à condição humana em todas as dimensões e o filme, aos olhos deste modesto cinéfilo, na sua dimensão artística, não fica em nada a dever a outros tantos que já foram merecedores do/de tão cobiçado(s) Óscar(es).
    Apreciei sobretudo os grandes planos e os efeitos de fuga na busca de uma verticalidade que, associada a um "olho" pintando numa parede no momento da revolução, evocam a desejada e tão necessária Omnipotência (e Omnipresença) Divina!
    Espero que o(s) Óscar(es) venham!

    um bem-haja!
    Guilherme Gomes

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    1. Caríssimo Guilherme,

      Muito grato pelo comentário e pela partilha de uma reação fílmica que considero tão positiva quanto a minha.
      Reparei também nesse pormenor, numa aproximação a um ideário tão maçónico quanto revolucionário para um ideal de liberdade e libertação do Homem. A "luz" que invade o filme no final é reveladora dessa mesma orientação para uma mudança significativa na História e na conceção / perceção da realidade social emergente na primeira metade do século XIX.
      Somos já dois no reconhecimento desse(s) Óscar(es), para um épico que conjuga a dimensão fortemente emotiva com uma componente cómica também relevante no plano dos estalajadeiros. E, para lá de tudo, ressalta a mensagem de que o ato de apostar, de acreditar no Homem faz a diferença.
      Renovado agradecimento.
      Cumprimentos.

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  2. Dizer melhor do que Guilherme Gomes seria impossível. O mesmo se aplica à resposta.

    Assim sendo, digo apenas: gostei muito do filme. Quando estiver à venda, procurarei adquiri-lo, porque julgo ser "um dos filmes da minha vida" e quero guardá-lo.
    Na minha memória, permanecem as belas imagens, a música maravilhosa, a(s) história(s) de tanta gente que, a custo, foi tentando reconstruir o mundo.
    Ah, e adorei os versáteis atores a representar, a cantar, a criar emoções...

    Um beijinho para o blogger e para o Guilherme.
    M.

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    1. Obrigado, amiga.
      Um beijinho também para a companheira cinéfila, nas venturas e desventuras (pois ainda não se encontrou um "guia para um final feliz"). ;)
      Beijinho.

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  3. Houve um tempo em que, todas as segundas, me metia no comboio até ao Pocinho e a viagem era bastante profícua: corrigia testes e trabalhos, preparava aulas, fazia renda e lia, viajando para além dos carris a que o comboio se confinava e muito além da paisagem que a janela me oferecia.
    Hoje, viajo de “trem” de um outro modo. Apanho, às vezes, uma Carruagem 23, que costumo tratar carinhosamente por “o vagão”, que só não é J como o de Vergílio Ferreira. E ainda bem!

    E cá vou viajando…
    Dizer mais o quê a propósito deste filme-musical?
    Já muito foi dito. E bem!

    Comparando-o com “Anna Karenina”, posso apenas dizer que no agora em apreço, ao contrário do outro, o realizador apostou principalmente nas emoções. Chorei que nem uma Maria Madalena, quando a Fantine canta, naquele que é o seu primeiro “esquife” (depois do primeiro “cliente”), e, no fim, naquela que é a última réplica cantada de Jean Valjean! Enfim, consolei-me e escapei, por três horas, à agrura a que a crise nos tem votado, sentindo-me como se vivesse os momentos difíceis da Grande Depressão do século XX, quando o cinema funcionava plenamente como catarse de um abismo económico e social.
    Infelizmente, penso que não fui a única a reviver esta regressão histórica!
    São tantos os filmes cuja estreia se anuncia para breve… Mal vai o mundo quando as viagens-sonho-que-são-o-cinema abundam e são desejadas!

    Beijinho e obrigada pela paciência com que me leem todos aqueles que neste vagão viajam!
    IA

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    1. À passageira anónima tão conhecida do "vagão":

      Obrigado pela leitura, pela partilha, pela presença.
      É bom saber que há quem faça a(s) viagem(ns) com regularidade.
      Beijinho.

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