domingo, 27 de janeiro de 2013

O impossível acontecido

       Já ouvira que era o filme mais visto na vizinha Espanha, já assistira ao "trailer" e a vontade tornou o possível real.

      Lamentavelmente o filme tem muito mais de real do que ficcional - assim se regista no final da sessão, pela inspiração num caso verídico, vivido por uma família espanhola no dia 26 de dezembro de 2004 em terras do sudeste asiático.


     Tem ainda de real, bem mais do que sugestivo ou verosímil, uma realização fílmica protagonizada por Juan Antonio Bayona a tocar o registo documental, apostado numa exploração de planos diversos, de imagens entre o idílico e o dantesco, de sonoridades associadas a efeitos de submersão na violência trágica de águas que engolem a terra e arras(t)am, afogam, emborcam tudo o que esteja no caminho.
       No drama em que as personagens se veem envolvidas, a (sobre)vivência faz-se não só do que há de mais catastrófico mas também do que existe de mais emotivo e envolvente, particularmente no que é viver a solidão no meio de tantos que vivem o desamparo, a angústia, o desespero; na luta, na crença e na conquista da (re)união familiar, quando tudo parece acontecer para que só haja desencontro. Disso Lucas (representado pelo jovem actor Tom Holland) e Henry (na pele de Ewan McGregor) são exemplo vivo, contrariando receios e fazendo escolhas que, só por mera coincidência ou acidental fortuna, acabam recompensadas; Maria (protagonizada por Naomi Watts) é símbolo de uma força espiritual que, por limitação de ação, sobrevive ao que de mais fatídico se prefigura.


       Dor física e dor emocional comple(men)tam-se nas personagens que vivem a história e nas pessoas que assistem a um enredo que as absorve, que as projeta num cenário intensamente dramático, mais do que possível a qualquer um de nós, pela voz de verdade que faz ouvir. Há momentos em que o estômago se contrai, a mente se sugestiona e incomoda pelo que é dado a ver e sentir. E tudo é tão pouco face ao vivido, numa representação tão credível que chega a causar mal-estar - que o digam alguns espectadores, que os houve, forçados a abandonar momentaneamente a sala, por causa de momentos intensos, crus, genuinamente sofridos.

       Excelente filme, realização e sonoridade muito bem conseguidas, mas sem direito a nomeação para Óscar. Esta fica na categoria de Melhor Atriz, o que se compreende, mas a de Melhor Ator Secundário não teria ficado nada mal para o jovem Tom Holland (Lucas).

4 comentários:

  1. Segunda-feira.
    Fui ver o filme. Só. Um pouco a medo. Tinha já lido este post e pensei: será que é assim tão forte?

    Vi o filme.
    E…
    Saí do cinema, cheia de ternura!
    Saí a acreditar que a humanidade ainda é possível!
    Saí com a certeza (eu já o presumia) de que quem mais perde é quem mais dá!
    Saí com uma imensa vontade de chegar a casa e de abraçar os meus filhos!

    Confesso que o realismo impressivo das imagens e do som não me “(co)moveu” tanto como alguns diálogos, algumas atitudes, alguns momentos de verdadeira comunicação, ou melhor ainda, de genuína comunhão!
    Penso que o realizador optou por esta linha de leitura, menosprezando o lado menos bom de nós, também presente na tragédia vivida na “vida real”. Desse lado sombrio destaco um breve episódio.
    O pai procura a mulher e o filho Lucas (Excelente interpretação! O mocinho vai longe.), pede um telemóvel a um casal que assume que está bem, mas que o nega porque precisa da bateria para chegar em segurança.
    O pai olha-os. Nos olhos o espanto e a incompreensão! Aqueles não perderam ninguém. São incapazes de se colocar no lugar dele! Terá o telemóvel das mãos de um homem que perdeu tudo: mulher e filha de dois anos…
    Valha-nos Deus! A humanidade ainda é possível!

    Maria é, como se afirma no post, e bem,“símbolo de uma força espiritual” que se concretiza numa decisão que é “passada” ao filho: salvar Daniel. “Mesmo que seja a última coisa que fazemos na vida!”, diz a Lucas!
    Porque a Vida é uma dádiva e sabê-la viver é o privilégio de alguns!
    (eu não sei se saberia ser Maria naquela situação!)
    Tanta coisa a dizer… Fico-me pelas emoções!
    E aconselho vivamente o filme. Na minha sala ninguém se sentiu mal. Mas à saída o brilho nos olhos daqueles com que me cruzei era imenso!

    Um beijinho e um muito obrigada, Vítor, por nos sugerires belos momentos de cinema, sejam eles ficcionados ou baseados em factos verídicos!

    IA



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    1. Admito que tenhas saído com tanta ternura e tanta vontade de (sobre)viver. Tens em ti uma Maria, saindo do turbilhão e da profundeza das águas, em direção à luz e pronta para lutar.
      Eu acho que me deixava levar pela corrente... Há tsunamis que tiram a vontade de resistir.
      (Eu bem digo que estou a precisar de uma comédia... para me alienar e esquecer, por momentos, a tragédia desta vida).

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  2. Desistir?
    Não!
    Uma terapia em Seis Sessões é capaz de espantar essa tua "vontade" de te deixares levar pela corrente! Parece que também é comédia...

    beijinho
    Ia

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  3. Por momentos, poderá ajudar, poderá fazer com que passe melhor o "Momento", como diz Campos ou Caeiro. Todavia, a "vontade" regressará, por certo. Há sentidos que se impõem em função do(s) interesse(s) que se tem ou se prioriza na vida.
    Limito-me a passar...

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