quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Recomeçaram as aulas

      Aqui e em tantas outras partes do mundo.

     Vivo o reencontro com os meus alunos na segurança e na normalidade que outros jovens, outras crianças no mundo desconhecem. É o caso das que frequentavam a Sandy Hook Elementary School, hoje, segundo algumas notícias, desviadas para um outro estabelecimento de ensino, para que a memória do sucedido seja mitigada.
     Das vítimas, algumas das quais nem tempo tiveram para ser heroínas (pelo sacrifício sofrido), já pouco se faz notícia, no apaziguamento que se impõe (por mais doloroso, retardado ou intermitente que seja). Na América, a questão prioritária centra-se, agora, na discussão política acerca do acesso generalizado ao porte de armas. Simultaneamente, é dado a conhecer como alguns professores passaram a adquiri-las, dominados pelo receio de que semelhante circunstância trágica possa ser repetida. E, por incrível que pareça, há mesmo a procura de ações de formação orientadas para o cenário da utilização de armas.
     A realidade é mesmo distinta e as necessidades são, felizmente, outras neste canto à beira-mar plantado, por mais que haja outras violências, outros problemas, outras "crises". 
     Podem acontecer episódios indesejados, pode haver contingências e contextos vários a ameaçar a promissora ação educativa nas escolas nacionais, mas dominantemente as "guerras" são de outra natureza. Desmotivações, frustrações, desvios, disrupções minam a estabilidade desejada para que ensino e aprendizagem se conjuguem. Há renegociações constantes para que surjam momentos de sorriso; outras vezes, há apenas silêncios (a dizer tudo), olhares entre o desafiante e o condescendente, palmas que se batem não para mostrar agrado, mas a necessidade de se regular o que nem sempre a voz consegue. 
      Nisto me vou revendo, numa contínua necessidade de mostrar que há regras a cumprir, palavras e gestos a evitar, pensamentos (em voz alta) a calar e que, com isso, se está também a formar alguém para uma vida nem sempre justa ou merecida.
      Penso o que não será tudo o que esteja para além disto que ainda considero normal.
      Relembro o poema de Miguel Torga:

Poema de Torga sobreposto no quadro "Sísifo", de Franz von Stuck (1920) 

     Pena haver quem dê sinais de sistematicamente (qual Sísifo provocador) querer destruir as ilusões do pomar, de impedir o logro da aventura e de fazer com que venham à tona algumas atitudes de loucura incompreensível e sem qualquer tipo de reconhecimento!

      Avancemos. Recomecemos no "caminho duro / Do futuro", para que ninguém se fique pela metade num mundo de tantos "Bichos".

4 comentários:

  1. O teu post revela uma realidade cada vez mais próxima de qualquer um de nós. De facto será cada vez mais insensato pensar que "isso" só acontece aos outros.

    Gosto muito do poema que escolheste. Já o tenho partilhado com alunos e encarregados de educação. A voz dos Poetas é intemporal e pode ser ouvida pelos mais diversos leitores.

    Um bom recomeço de aulas

    Um beijinho
    Dolores

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    1. A voz dos poetas revela-se cada vez mais sensata, certeira e digna de ser ouvida. A de Torga é, por certo, das melhores que temos. Assim a ouvissem alguns dos nossos políticos e certos homens do poder. Além de mais cultos, ficariam com a humanidade aguçada.
      Um bom recomeço para ti também.
      Beijinho.

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  2. Este poema de Miguel Torga costuma ser o meu “postal de boas-vindas” no início do ano letivo.
    Escrevo-o no quadro, para que os alunos o registem na primeira página do caderno diário, mesmo antes do sumário. Depois, falamos sobre ele e vamos tentando (re)descobrir e confirmar o valor de certas metáforas. Nem sempre explico o título (depende do ano de escolaridade, depende da reação dos alunos ao poema, depende de mim). Às vezes, peço para a segunda aula uma pequena pesquisa: quem foi Sísifo?
    Aí, retomamos a leitura anterior do poema e confirmamos algumas das hipóteses.
    Os alunos costumam gostar muito deste texto. Talvez porque se revejam nele, principalmente porque nele veem a Vida: os seus insucessos, as suas breves venturas, a necessidade do Sonho, da Loucura e da Vontade, a urgência do caminhar, mesmo sabendo que a Vida é um eterno recomeço, ONDE ME RECONHEÇO!... (porque nem sempre sou o mesmo). Enfim, como diria Torga num outro poema, intitulado “Viagem”, “o que importa é partir, não é chegar.”!
    Obrigada, Vítor, por o teres aqui “postado” e por o teres acompanhado dum quadro que faz justiça ao mito e ao poema: sentimos nele o esforço e a determinação.
    É uma boa mensagem para o início de um novo ano.
    Só um pequeno parêntesis: há erros e lapsos que são belos, porque potenciam outros caminhos, outros saberes… Tudo depende da nossa atitude.

    beijinho e obrigada
    IA

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    1. É verdade!
      Pena que a minha atitude não esteja tão positiva quanto a que o poema induz. Revejo-me no caminho duro do futuro, mas sem vontade de colher ilusões sucessivas no pomar e, por isso também, sem ver o logro da aventura.
      Da beleza dos erros e lapsos estou a léguas, num caminho que não escolhi.
      Beijinho.

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