sábado, 9 de março de 2013

Marcadores (e não são de livros)

     Há perguntas que, no vazio, são pouco clarificadoras.

     Fiquei dominado pelo insólito de uma simples pergunta; todavia, vinda de quem vem, não quero crer que seja para dar conhecimento da existência de algum ponteiro, instrumento para sublinhar texto ou indicador de página para o livro que se esteja a ler.

     Q: O que entende por 'marcadores'?

     R: Entendendo que o referencial de trabalho é o da análise dos discursos, "marcador" é uma designação genérica para um conjunto de unidades linguísticas invariáveis, de natureza pragmático-discursiva, associado à produção de atos de fala e que permitem estabelecer relações entre enunciados (para os orientar argumentativamente, para introduzir novos temas e/ou, ainda, estruturar a informação partilhada num ato comunicativo). Evidenciam-se, com ele, os propósitos de ordenar / hierarquizar, de conectar logicamente, de reformular ou retificar, de explicar, de proceder à verificação / manutenção dos circuitos ou dos elementos em comunicação.
      A par de outras situações em que já tive a oportunidade de me referir a marcadores, acrescentaria que, se os articuladores / conectores exprimem relações semânticas entre as unidades interligadas apoiadas em lógicas e conhecimentos de mundo partilhado (experienciais), os marcadores  focalizam mais a produção de atos de fala (independentemente do suporte oral ou escrito), deslocações ou movimentos discursivos, o relevo informacional a atribuir a determinados segmentos discursivos - tudo muito mais dependente da lógica do dizer, do ato de fala produzido.
      Comparando os enunciados seguintes -

     1a) Se tudo correr bem, chegamos ao Porto por volta das dez da noite.
     1b) Se estás à procura do livro, guardei-o.

     2a) Eu queria saber as horas, mas o meu relógio tinha parado. 
     2b) - Podes dizer-me as horas?
           - Mas tu tens o teu relógio!

      - julgo ser possível exemplificar o que são realizações de natureza mais pragmática (1b e 2b). 
     Enquanto em 1a) a chegada ao Porto pelas dez horas está condicionada ao cenário de tudo correr bem, em 1b) não é possível apoiar a interpretação do enunciado segundo a lógica da experiência dos acontecimentos: guardar o livro não está condicionado pelo facto de alguém o procurar. O que está em causa é bem mais dar conta de uma situação para a qual a produção do ato assertivo "guardei-o" se torna um dado / uma informação relevante; ou seja, o ato introduzido pelo 'Se' indica a condição na qual o ato assertivo seguinte ganha sentido. É mais um propósito conversacional que está em jogo.
     No par 2a)-2b), a dimensão pragmática do marcador de contraste pode ser encontrada, em diferentes níveis, em ambos os termos do par. O caso 2b) é mais exemplificativo desse aspeto pela própria possibilidade de ocorrência do marcador no início de frases / parágrafos / atos enunciativos / turnos de fala, explorando relações de coesão com o anteriormente dito.

     Assim os discursos aparecem matizados pelo ponto de vista, pelos propósitos, pelo relevo informacional, pela aproximação / pelo distanciamento face ao dito. Para isso muito contribuem os marcadores no ato de dizer, contribuindo para a construção da coerência e coesão dos discursos.

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